José Passini
jose.passini@gmail.com
Sempre que uma
pessoa for compelida ao estudo da língua nacional de outro povo – a não ser com
o objetivo de ampliar sua cultura – estará sofrendo restrição no seu direito
linguístico, principalmente ser for para usá-la na comunicação com alguém que a
tenha como língua materna.
Num diálogo, sempre
leva grande desvantagem aquele que é compelido a se expressar na língua do seu
interlocutor, que a usa na condição de nativo. A atenção daquele que procura
comunicar-se na língua do outro estará repartida entre o uso do idioma
estrangeiro em que tenta se expressar e o assunto que está sendo discutido.
É
muito fácil, para quem que usa a sua própria língua, parlamentar, influenciar,
convencer, vender, e até mesmo dominar, pois o falante não nativo tem a sua
atenção voltada não apenas ao assunto em pauta, mas também ao cuidado no
sentido de não se expressar de maneira inadequada ou até mesmo ridícula.
O receio de cometer falhas na pronúncia
ou de se expressar em construções não usuais é causa de muita inibição, de vez
que, ao falar, a pessoa lembra-se de situações hilárias, em relação ao
estrangeiro que fala sua língua, que são largamente exploradas no humorismo comum.
Há muitas situações
em que o nativo entende, mas como a construção não é usada, causa, no mínimo,
estranheza: “Você vai de carro? Não, vou bicicletando”, responderia o
estrangeiro, por analogia com cavalgando, andando, nadando, etc.
Portanto,
eleger, em âmbito mundial, uma língua natural para o desempenho da tarefa de interlíngua,
é ferir um direito legítimo de todos os povos que não têm essa língua como seu
idioma nacional, concedendo ao povo que a fala como nativo uma série de
prerrogativas contra as quais se devem insurgir os demais povos, a arguirem o
mesmo direito de não serem obrigados às despesas e aos esforços necessários ao
aprendizado de uma língua estrangeira.
É
bem verdade que cada língua estrangeira que se domine representa mais uma
janela aberta para o mundo. Esse caso é muito diferente do estudo
compulsoriamente levado a efeito para a comunicação internacional, em nível
acadêmico ou profissional. A língua de outro povo, aprendida por necessidade,
constitui uma violação do direito linguístico do homem.
Quantos
anos são necessários para um aprendizado que possibilita, na maioria das
vezes, apenas um desempenho fraco,
deficitário?
Será justo que os usuários de determinadas línguas naturais
tenham facilidade de comunicação, enquanto povos de outras línguas gastem tempo
e recursos preciosos para conseguirem uma comunicação deficitária, imperfeita?
O
aprendizado de línguas estrangeiras levado a efeito por aqueles que são compelidos
a usá-las como idioma internacional fere um direito natural de igualdade, por
obrigar alguém ao uso de um código linguístico que apresenta um nível de
facilidade / dificuldade diferenciado entre os dois interlocutores.
Mas
se todos quiserem usar do direito de falar a sua própria língua não haverá
possibilidade de comunicação no mundo, a não ser que se recorra aos serviços de
tradução. A tradução constitui um passo positivo no campo do respeito aos
direitos linguísticos. Mas a presença do tradutor onera grandemente a
comunicação, principalmente a oral, além de, em muitos casos, desfigurá-la
completamente.
Sem chegar à dureza do
aforismo italiano: “traduttore, traditore”, é de se reconhecer que a figura
intermediária do intérprete minimiza – quando não apaga de todo – muitas
nuanças importantes de um discurso. Além do mais, deve-se reconhecer que tradução não é
atividade simples como parece à primeira vista.
Traduzir não significa substituir pura e simplesmente as
palavras de uma língua pelas suas correspondentes na outra, como geralmente
pensa o leigo. Se assim fosse, de há muito os computadores estariam operando em
substituição aos tradutores humanos. Traduzir significa decodificar uma
mensagem, interpretando-a completa e profundamente e, depois, recodificá-la
numa outra língua, que, não raro, apresenta características específicas na sua
estrutura, nos seus recursos expressivos, por vezes muito diversos daquela em
que a mensagem foi elaborada originalmente.
Traduzir é passar de um universo a outro, pois cada
comunidade de fala recorta a realidade, categorizando-a de modo próprio,
construindo, assim, o seu universo linguístico. As línguas naturais são
simbólicas e refletem o mundo de maneira particularíssima, circunscrevendo o
próprio raciocínio dentro dos limites linguísticos de cada povo. Por isso,
tradução em bom nível requer do tradutor, além de larga dose de conhecimento
específico da área em que opera, amplo domínio das duas línguas, o que inclui,
necessariamente, o conhecimento profundo da própria psicologia dessas línguas.
A tradução escrita é mais simples. No recesso do seu
gabinete, o tradutor tem tempo para pesquisar, analisar, comparar, meditar,
para, finalmente, depois até de ter consultado um colega, decidir pela forma
mais apropriada.
Mas, na tradução oral, seja paralela ou simultânea,
existe a pressão psicológica das possíveis comparações esperadas de ouvintes
que têm acesso às duas línguas. Há, ainda, o fator tempo. Há que se traduzir,
de qualquer forma, aquela sequência sonora, porque outra a sucederá
imediatamente e não poderá ser repetida. Por maior que seja a competência do
tradutor, perde-se a eloquência, as nuanças de voz, a vivacidade, o magnetismo,
o sentimento do orador.
No caso de o tradutor funcionar
como intérprete, em presença dos interlocutores, há outros aspectos a serem
considerados: a presença física, a expressão fisionômica, a mímica, o timbre da
voz, tudo isso poderá impressionar favorável ou desfavoravelmente o tradutor,
cujo estado emocional irá influir, se não no tom, pelo menos na escolha da
palavra ou expressão que irá usar. Um tradutor é um ser humano, dotado de
preferências e de idiossincrasias. Não é uma máquina.
Em muitos casos, por mais que se
esforce, não consegue transmitir a mensagem com o colorido desejável ou com a
ênfase ouvida, simplesmente porque ele é um tradutor, um intérprete
linguístico, e não um ator que assuma completamente a personalidade de quem
está produzindo a mensagem.
A não
ser que a mensagem seja extremamente simples, é muito improvável que não sofra
a influência do tradutor, influência essa que vai desde a simples tradução maquinal,
com o apagamento do poder expressivo, até a cortes e acréscimos inconscientes
ou conscientes.
Por isso, numa conversação entre
falantes de idiomas diferentes, a comunicação será mais eficiente se for
direta, porque assim fica eliminada a personalidade intermediária do tradutor.
Mas, por uma questão de equidade, de respeito aos direitos linguísticos dos
povos, essa comunicação direta deve ser levada a efeito através de uma língua
que não seja a língua materna de nenhum dos interlocutores.
No
caso de se adotar alguma língua neutra, as influências recebidas do exterior se
originariam de fontes diversas, porque conduzidas através de uma língua
igualmente acessível a todos os povos. A adoção de uma língua internacional
neutra permitiria àqueles povos, cujas línguas não têm penetração
internacional, a divulgação da sua posição política,
do seu pensamento filosófico, dos seus progressos sociais e científicos, diretamente,
ao resto do mundo, sem ter de se sujeitar ao processo seletivo da corrente de
informação a que a tradução numa língua natural conduziria.
Ao
traduzir-se uma obra para um idioma natural, raramente tem-se em vista a sua
divulgação mundial, a não ser no caso de obra técnica ou científica. Quem
traduziria em Inglês ou Francês obras da nossa literatura, se não houvesse
público nos países onde essas línguas são faladas?
Exemplificando:
uma obra escrita em Português muito dificilmente chegará ao conhecimento de dinamarqueses,
finlandeses, húngaros, suecos e outros, se não passar pelo crivo do interesse
dos usuários do Inglês e, em menor escala, do Francês.
O
inverso é também verdadeiro: os leitores de língua portuguesa deixam de tomar
conhecimento de inúmeras obras escritas originalmente em línguas minoritárias,
como as citadas, porque não foram previamente traduzidas em Inglês ou Francês.
Raramente têm acesso a obras desses e de alguns outros povos, em virtude desse
processo seletivo perverso.
A tradução em uma língua neutra, ao
contrário, destinar-se-ia indistintamente a todos os povos e facilitaria
sobremaneira o acesso a uma literatura mundial, muito mais vasta, aos povos em
cujas línguas as traduções não seriam rentáveis.
Uma língua internacional neutra não é uma utopia, pois na
Europa, durante quase um milênio, os povos se comunicavam através de uma língua
neutra, o
Latim, que foi instrumento de comunicação diplomática, de divulgação científica
e de discussão filosófica e política. O uso dessa língua pelo Catolicismo
Romano chegou ao século XX.
É
de se notar que o Latim usado como interlíngua não era aquele falado
quotidianamente pelo povo, o "Sermo Vulgaris". Não era a língua que, sujeita à instabilidade
do processo evolutivo natural, viria a se transformar e se diversificar nas
várias línguas românicas. O idioma usado nas comunicações internacionais era o
produto estável, altamente elaborado pelos gramáticos e estilistas da latinidade,
que se poderia chamar hoje de língua planejada.
O fato de não pertencer a povo algum dava ao
Latim a condição primeira para o desempenho do papel de interlíngua: a
neutralidade política. No âmbito acadêmico e diplomático, o Latim foi perdendo
terreno para o Francês e, depois, para o Inglês. Seu uso continuou no
Catolicismo Romano, até o Concílio Vaticano II, pois em Latim eram ainda
celebrados os seus ofícios religiosos. A única exceção era o Esperanto, por autorização expressa do Papa Pio XI.
Hoje,
as dificuldades de comunicação nos conclaves da Igreja estão aparecendo com
mais evidência, a ponto de surgir um livro intitulado “Esperanto, o novo Latim
da Igreja e do Ecumenismo”1, prefaciado pelo Dr. Gyorgy Jakubinyi,
Arcebispo de Alba Iulia, Romênia.
O
empenho no sentido de ser mantida a condição atual é grande, mas em verdade,
não há uma única língua natural que garanta ao seu usuário livre trânsito em
todo o mundo, para não dizer nem mesmo em toda a Europa. As línguas naturais encontram sempre fortes
restrições em seu uso como língua internacional, restrições que variam, segundo
as áreas onde se pretenda usá-las.
Apesar
disso, as nações econômica e politicamente poderosas concentram grandes
esforços e despendem enormes recursos financeiros no sentido de difundirem e,
até certo ponto, imporem seus idiomas para uso internacional, visto serem
inegáveis os rendimentos em prestígio político e as vantagens econômicas que
retornam como altos dividendos, em razão de investimentos bem aplicados.
Não se defende, ao pôr-se em relevo a gravidade desse problema, um nacionalismo
absurdo, fechado às idéias renovadoras vindas do exterior. É de senso comum que nenhum país pode progredir
de forma apreciável, se fechado ao confronto salutar com as ideias geradas em
outras culturas. O que se busca demonstrar é o perigo de uma descaracterização
nacional como consequência da forte influência de uma determinada cultura,
aceita, às vezes, inconscientemente.
E, ao enfocarmos os direitos linguísticos, verificamos atualmente o
surgimento de uma conscientização maior no sentido da preservação de
características próprias, não só em pequenos grupos étnicos, mas também em
nações. Essas características próprias é que mantêm a unidade de um grupo
social, seja ele um pequeno povo, seja uma nação inteira. E no centro desses
fatores aglutinantes de um povo, de um grupo étnico, encontra-se a língua, a
língua como fator determinante para a manutenção de uma unidade nacional.
E o nível dessa conscientização a respeito do papel da língua como fator
de manutenção de uma etnia é de tal monta que, no ano de 1996, em Barcelona,
houve um congresso levado a efeito por falantes de línguas minoritárias, que
produziu um documento intitulado Declaração Universal de Direitos Linguísticos.
Dante Alighieri entendeu o valor da língua como fator capaz de promover a
reunificação da Itália, quando, no século XIV, escreveu a Divina Comédia no
dialeto da Toscana, com vistas a torná-lo – com algumas modificações – a língua
de toda a Itália. Nas várias regiões o uso dos dialetos continuou, mas a adoção
da “madre língua” foi um fato na comunicação em nível nacional.
No século XIX, a mesma idéia teve Eliezer Ben-Jehuda, ao simplificar a
estrutura do Hebraico, renovando-lhe também o vocabulário, a fim de torná-lo
apto a dar conta do discurso moderno e de servir como língua nacional do Estado
de Israel.
Paralelamente a essa conscientização dos valores
nacionais, estamos, desde há algum tempo, assistindo ao nascimento de uma
consciência planetária. Hoje, povos que ainda não aprenderam a repartir suas
riquezas, já repartem e compartilham pelo menos os seus problemas. A
necessidade da preservação das condições de habitabilidade do Planeta está
abrindo mais diálogos do que têm conseguido as próprias religiões...
Essa consciência de pertencimento a uma comunidade que se sobreponha aos
estreitos limites nacionais representa uma nova dimensão na própria história da
raça humana. Mas ela não poderá se efetivar plenamente através de doutrinações
políticas apenas. Só um contato maior entre seres humanos é que ensejará o
surgimento dessa tão desejável consciência supranacional.
Sociedades, agremiações, organizações de âmbito mundial têm surgido num
volume crescente. É um novo degrau na história da evolução humana. A
consciência de ser social do Homem, que começou com o desenvolvimento da consciência
tribal, agora se dilata, ultrapassando os limites nacionais.
Nesse particular, deve ser ressaltado o notável trabalho desenvolvido na
União Europeia, onde vinte e oito países convivem, na busca de soluções
pacíficas para os seus problemas comuns. É de se lamentar, entretanto, que
justamente nessa área, tão promissora – talvez o maior tentame de convivência
pacífica na história da Humanidade – seja onde se perdem os mais nobres
esforços de convivência inteligente e verdadeiramente humana, pelas fortes
barreiras linguísticas que se lhe antepõem, concretizadas através de vinte e
quatro línguas.
Barreiras linguísticas sim, porque – pela falta de uma língua comum,
livremente aceita por todos – recorre-se ao serviço de tradução, que apresenta
os prejuízos já aqui demonstrados. Parece até ironia o fato de já existir uma
moeda comum, não nacional, livremente aceita e não existir ainda consenso
quanto à adoção de uma língua tão neutra quanto a moeda.
E por que não se adota uma língua
neutra? Porque, de um lado está o domínio terrível de países que não querem
abrir mão da facilidade de não ter de aprender uma nova língua, colocando-se,
como manda a justiça, em nível de igualdade com os demais; de outro lado, está
a subserviência e o espírito acomodatício dos representantes de outros países.
Claude Piron, belga, falante nativo de Francês, psicólogo, professor,
poliglota, tradutor da ONU e da OMS, durante vários anos, denuncia que nas
sedes da União Européia não há fiel observância do direito linguístico dos seus
Estados-Membros:
(...)
na secretaria, praticamente não se usam as línguas, holandesa, grega, finlandesa
e outras línguas “não fortes”. Algumas línguas são “mais iguais que as outras”,
seja quando alguém procura empregar-se como funcionário da União Européia, seja
quando um cidadão ou um parlamentar deve se relacionar com a administração.2
No
campo científico, a situação é semelhante. Cientistas dirigem-se a lugares distantes
a fim de apresentarem resultados de suas pesquisas, mas o seu trabalho não se desenvolve
com a rapidez e a eficiência esperadas, diante da dificuldade de comunicação.
Muita
experiência preciosa não é partilhada integralmente, ou mesmo se perde, por
faltar uma língua comum em encontros, simpósios, congressos de âmbito internacional.
O mal é menor quando se trata de comunicação escrita, através de livros ou de periódicos
especializados, pois há tempo de se recorrer a dicionários e a tradutores.
Mas,
num congresso internacional, onde os participantes das sessões de comunicação e
debates científicos são originários de países diversos, as barreiras
linguísticas, não raro, impõem grandes prejuízos ao rendimento do encontro.
Nesses
congressos o atropelo aos direitos linguísticos dos usuários de línguas menores
é flagrante. É por demais claro que os falantes da língua nacional – ali elevada
à condição de interlíngua – dispõem de muito mais facilidade para apresentar e
debater suas idéias. Muitos participantes de congressos mundiais vão ler, no
quarto do hotel, o texto da conferência ou da comunicação científica ouvida,
apenas parcialmente entendida, mas já sem a oportunidade de participação em
debate enriquecedor, perdido por falta de capacidade de comunicação direta e
imediata, conforme denunciou Edward Sapir, linguista norte-americano, logo
falante nativo de Inglês.
... numa reunião científica internacional, há
invariavelmente o desapontamento de se verificar que, em virtude da diferença
de hábitos linguísticos, a dificuldade de comunicação com cientistas estrangeiros
torna o intercâmbio de ideias muito menos fácil do que fora imaginado por ocasião
do embarque 3.
Se,
como foi demonstrado, as línguas naturais não se prestam à função de
interlíngua, só resta a alternativa do uso de uma língua construída, neutra,
indene de vinculação étnica, política, filosófica, cultural, enfim. Essa
condição ideal, como se depreende, só poderá ser conseguida por um idioma não
vinculado a povo algum, um idioma conscientemente elaborado para o papel de
interlíngua mundial, a ser aprendido por todos os povos, na condição de segunda
língua. Essa, a solução justa e fácil do
problema, pois ao achar-se alguém em presença de um interlocutor, falante de um
idioma desconhecido, apelará imediatamente para o denominador comum, a segunda
língua.
Esse
elemento de comunicação mundial já existe no mundo desde há mais de um século.
É o projeto saído do cérebro e do coração de um jovem idealista que, numa antevisão
extraordinária de um mundo que não chegaria a ver, apresentou solução antecipada
para esse crucial problema humano, ao publicá-lo em 1887.
Embora não fosse um linguista profissional, sua visão
sociolinguística e universalista transcendia à dos especialistas. Sabia que
lançava apenas um projeto, uma proposta para o nascimento de uma língua que
representaria um passo na própria história da espécie humana.
Esse passo na história da comunicação mundial não foi
dado por imposição de força exterior alguma. Ele decorreu da força evolutiva
imanente ao ser humano, pois a comunidade de âmbito mundial que adotou o
projeto do jovem polonês como elemento de comunicação supranacional deu-lhe o
sopro de vida, alçando-o à condição de língua viva, que, felizmente, já conhece
um período de amadurecimento de mais de um século.
Essa comunidade mundial usuária do Esperanto, constituída
de centenas de milhares de pessoas, distribuídas em mais de cem países,
usufrutuária de uma biblioteca que conta com mais de quarenta mil títulos –
muitos dos quais não encontrados em línguas nacionais –, tem à disposição uma
centena de periódicos, cultiva a literatura, a música e outras artes em nível
de variedade e riqueza não encontradas pelos usuários de apenas línguas
étnicas. Além disso, depois de ter sido veiculado pelo rádio, desde há muitas
décadas, o Esperanto é hoje amplamente usado na Internet.
Os usuários do Esperanto participam de congressos
regionais, nacionais e mundiais, estes constituindo fenômeno inusitado no
mundo, pela reunião de três mil participantes, em média, oriundos de
aproximadamente oitenta países, todos se comunicando naturalmente. São os
únicos congressos mundiais onde não há intérpretes.
Tem hoje o
Esperanto a oportunidade maior da sua história, pois o mundo necessita dele,
exatamente pelas características que sempre o distinguiram de projetos ou de
línguas concorrentes. Se houve um amadurecimento do Esperanto como língua,
houve paralelamente um amadurecimento da consciência do problema de língua internacional,
provocado pela própria evolução humana.
Hoje ninguém mais, em sã consciência, pode negar-lhe a
condição de dar conta integral do discurso humano, acompanhando essa imensa
transformação ocorrida no mundo desde o seu aparecimento. Já provou à saciedade
que a sua simplicidade de aprendizado e facilidade de uso não significam
pobreza de expressão, como ocorre nos "pidgins". O Esperanto é uma
demonstração viva de que complexidade linguística não significa superioridade
de desempenho, pois é simples, sem ser superficial; é eficiente sem ser complexo.
Dos
seiscentos projetos de línguas artificialmente elaboradas até 1962, segundo Pierre
Burney4, alguns poucos se tornaram línguas, mas apena o Esperanto
sobrevive.
É chegado o momento do Esperanto, como chegou o momento
das notas musicais, do sistema métrico, dos símbolos dos corpos simples, dos
sinais internacionais de tráfego, das unidades de medição de vitaminas e
proteínas, e de tantas outras mais, todas aceitas internacionalmente por gestos
de comum acordo, de bom-senso, sem imposição alguma.
A comunidade usuária do Esperanto, embora seja formada
pela maior variedade étnica, social, cultural que o mundo conheceu, constitui
um grupo humano harmônico, que se reúne em torno de ideais nobres de
fraternidade, de compreensão, de respeito à cultura, às diversidades étnicas e
ao direito de expressão de todos os povos.
E como estamos falando de direitos linguísticos, essa
comunidade vem requerer igualdade de tratamento e de oportunidades para todas
as línguas, no sentido de ser reconhecido o direito linguístico de todos os povos.
É uma questão de Justiça!
MATTHIAS,
Ulrich. Esperanto o Novo Latim da Igreja e do Ecumenismo. Campinas: 2003
PIRON,
Claude. La Bona Lingvo. Viena: IEM, 1997.
SAPIR,
Edward. Linguística como Ciência. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1969.
BURNEY, Pierre. Les
Langues Internationeles. Paris:
Presses Universitaires de France, 1962
Francisco Rebouças