O plano de Júlio César fora muito bem
executado! Clodoaldo conseguira convencer Boaventura, que permanecia inebriado
pelas novas informações recebidas.
Os adversários da paz comemoravam!
Júlio César, conversando animadamente
com o capataz, informou:
— Pronto! Só nos resta aguardar, a semente foi lançada e a terra é muito
boa. Boaventura, de retorno ao lar, haverá de infernizar nossa “querida”
Márcia, efetuando a discórdia, retirando, naturalmente, a esposa do
equilíbrio, O marido fanático
haverá de massacrá-la, destruindo-lhe, pouco a pouco, a disposição para
trabalhos espíritas. A tarefa
do atendimento fraterno perderá uma de suas melhores cooperadoras!
— E agora, mestre? Perguntou Gonçalves,
desejando saber dos planos íntimos do mentor das sombras para a continuidade
do processo de infiltração.
— Agora,
meu caro, cabe-nos verificar os grupos de assistência espiritual!
— Mas,
vamos abandonar o caso Márcia Boaventura? Questionou o servo da maldade.
— Não
abandonaremos este processo, simplesmente precisaremos dar tempo ao tempo para
que a semente do fanatismo, plantada na mente de Boaventura, germine; mais
tarde retornaremos à residência da coordenadora do atendimento fraterno para
as devidas verificações. Esta operação, meu querido, requer muita paciência.
Todo cuidado é pouco, a organização e a cautela são a alma deste
empreendimento. Toda infiltração começa pequena, quase imperceptível, para,
depois, ganhar volume causando dor, destruição ou, pelo menos, inúmeros
Prejuízos!
Caminhando
lentamente ao lado do comparsa, com uma das mãos tocando a fronte, como que
recapitulando os próprios pensamentos, Júlio César informou:
— Nossas
atenções, doravante, estarão voltadas para os grupos de fluido terapia.
Deveremos fazer surgir entre eles a concorrência e a disputa!
— Mas, senhor, perguntou o secretário da
maldade, como é que conseguiremos
penetrar no Centro Espírita? Não dispomos de autorização. Como iremos romper as
barreiras protetoras do Centro? Como faremos para despistar os mensageiros da
luz...
— Chega!
Chega! Gritou o mandante. Não
vê que me perturba com tantos questionamentos?
Ora! Como vamos entrar? Aproveitaremos os
desequilíbrios humanos, as brechas, como o orgulho, a mesquinhez, o desejo de
mando, a vaidade etc., etc., etc.
Enquanto você marca os passos, eu já recebi
valoroso relatório dos nossos comandados que permanecem junto de muitos
tarefeiros encarnados. Eles têm livre acesso na Instituição, por serem
acompanhantes usuais dos tarefeiros do Centro que não vivem a mensagem cristã,
que fazem parte dos grupos de fofoca, dos que são sempre do contra, daqueles
que desejam reformar tudo e nunca estão satisfeitos com nada!
Identificamos, em três grupos, passistas que nutrem
desejo ardente em desenvolver a faculdade de cura. Acreditam ser especiais,
embora suas tendências para o fanatismo permaneçam controladas pela
organização e o estudo doutrinário esclarecedor, contendo certas ideias. Não
possuem, nem de longe, a raríssima faculdade de curar instantaneamente as
enfermidades.
— Mas e aí? Perguntou Gonçalves.
— Aí, meu amigo, nós vamos dar a eles a
faculdade de cura!
— Como assim?
— Simples! Aproveitando a brecha de inúmeros
tarefeiros, penetraremos na instituição.
Dos assistidos que adentrarem a sala de passe e estiverem sob um processo
obsessivo, e ainda, se esses obsessores fizerem parte de nossa extensa falange,
solicitaremos que se afastem momentaneamente, causando uma cura, instantânea,
aparente. O resto, se eu
conheço bem a criatura humana, acontecerá naturalmente.
— Não entendi, disse Gonçalves. O senhor pode explicar melhor?
— Fácil, meu querido, muitas pessoas não
entendem o processo da mediunidade, não compreendem que os passistas são simples
instrumentos, embora haja sempre uma parcela do magnetismo humano, e por
desejarem agradecer os recursos recebidos, logo, logo o endeusamento baterá às
portas das salas de fluidoterapia, fazendo com que os passistas disputem entre
si, quem dispõe de maiores recursos magnéticos.
— Ah!... Mestre!
O senhor é um gênio!
— Gonçalves,
alertou o obsessor chefe, preste bastante atenção: uma vez dentro da Instituição todo cuidado é pouco. É provável
que não veremos as entidades superiores
laborando naquela Casa, provavelmente
sentiremos certo desconforto psíquico, pelo contraste das nossas vibrações.
Dos cooperadores espirituais que pudermos enxergar, por trabalharem intimamente ligados à nossa esfera de atuação,
com objetivo de arrebatar muitos dos nossos, evite fixar-lhes o olhar, pois vibrações amorosas tentarão nos retirar do caminho. E se,
porventura, lhe agarrarem, evite pensar
naqueles que você amou um dia, não se contamine com a fraternidade e muito menos deixe-se tocar pelas palavras
doces e afetuosas que nossos
adversários certamente tentarão nos transmitir. Se uma fraqueza qualquer o envolver, chame por
mim. Você, ainda que com suas dificuldades
no campo do intelecto, é por demais valioso, além de guardar informações
confidenciais deste nosso processo,
e não desejo que o inimigo
saiba de nossos planos mais íntimos. Desta maneira, vigia as emoções!
Tendo se dirigido
para as portas da instituição, verificaram a proteção e a organização da Casa,
aguardando que os trabalhadores encarnados com quem se afinizavam se apresentassem
para o trabalho. Foi nesse período que Maria Souza, tarefeira da
fluidoterapia, adentrou o Centro, autorizando, pelos seus pensamentos e
sentimentos pedantes, a entrada dos representantes da maldade no núcleo
cristão. Estes, imantados à servidora
vaidosa, tomavam as providências necessárias para a continuidade das
infiltrações.
As
entidades superiores sabiam de tudo e os acompanhavam discretamente sem que,
no Centro, os inimigos da verdade pudessem percebê-las, permitindo, assim, a
entrada “livre”, porém, monitorada de Júlio César e Gonçalves que, para os
trabalhadores da Casa Espírita, se converteriam em elementos de provas no
campo dos ensinos de Jesus.
Penetrando a sala
cujas atividades eram de assistência espiritual, os malfeitores notaram a
diferença fluídica, as vibrações evidenciavam respeito e tranquilidade.
No
aspecto físico, disciplina e seriedade dominavam o coração da maioria dos
trabalhadores. Entidades amigas, quais enfermeiros espirituais, ladeavam os
passistas a fim de ajudá-los na transmissão de energias refazedoras, num trabalho
cristão e anônimo.
Maria
Souza desenvolvia vontade sincera em ajudar, mas o sonho de ser uma grande
magnetizadora, uma extraordinária médium de cura, atrapalhava-lhe as boas
disposições, pois o pedantismo lhe anulava as melhores intenções, impedindo-lhe
a produção de sentimentos sublimes, ficando no comum das pessoas,
sobrecarregando a equipe espiritual, que, aproveitando apenas alguns poucos
recursos magnéticos, fazia todo o trabalho.
Iniciada a
sessão de passes, uma senhora curvada, gravemente envolvida por uma turba de
obsessores, sentou-se com muita dificuldade na cadeira onde Maria haveria de
ministrar a fluidoterapia. Os amigos espirituais envolveram quanto possível os
obsessores, recolhendo-os amorosamente para o socorro devido, contudo, outros,
mais endurecidos, permaneciam ligados à
enferma por estarem profundamente comprometidos com o seu passado
delituoso. A assistida somente se libertaria por completo através do esforço
íntimo, pela transformação moral à qual,
em verdade, não se dedicava.
Júlio
César, analisando as vibrações do coordenador daquele caso, notou pertencer à sua categoria espiritual e, após as
conversações preliminares, acrescentou:
— O camarada certamente me conhece, não?
— Claro, Júlio César, claro! O que quer de mim?
— Pequenos favores.
— Favores? De graça?
— Não,
meu amigo, será recompensado, digamos que será troca de gentilezas.
— Pode
dizer, o que é?
— Preciso
que você e sua equipe abandonem esta mulher.
— O quê? Nunca!
— Será
momentâneo, é pela nossa causa. Conhece meus superiores! Em nome deles, estou
me empenhando na destruição deste Centro e preciso de sua...
— Ah! Por
que não disse antes? E para destruir esta Casa maldita? Então, tem todo meu
apoio. Graças a este terrível templo de amor não consigo concluir o meu plano.
Se esta criatura continua em pé, é por causa destas energias e das preces que
tem recebido desta odiosa instituição. Júlio, meu caro, terá toda minha ajuda.
Ficaremos longe dela... vejamos... seis meses, está bem? Nenhum dia a mais,
está ouvindo?
Mas em troca, continuou o obsessor
mercenário, após o vencimento deste
prazo, você me cederá vinte trabalhadores seus bem treinados, pelo tempo
equivalente à minha ausência
junto a esta infeliz. O que me
diz?
— Negócio fechado, finalizou o
arquiteto da maldade.
Enquanto o passe
era transmitido, os espíritos perseguidores daquele caso saíam silenciosamente.
Os amigos
espirituais atentos, também se retiraram discretamente, aproveitando a trégua
interesseira dos malfeitores, para tentar libertá-los da ideia de maldade e
vingança. Mobilizaram, então, equipes socorristas, conseguindo encaminhar
muitos adversários para o intercâmbio espiritual.
Porém, a mulher
que adentrou a sala, curvada, recuperava a postura correta como que de
imediato, readquirindo certa vitalidade. Quando se viu liberta daquelas
influências, num desejo de agradecer, agarrou a mão da passista, beijando-a e
lançando estas palavras de gratidão:
— Deus abençoe a senhora! Sua mediunidade é
fantástica, agora eu sei! Estou livre,
você é uma santa! Estas atitudes da assistida romperam as normas de
silêncio e discrição que a Casa Espírita solicitava, tumultuando
momentaneamente o trabalho. O dirigente encarnado aproximou-se contendo os
excessos, imprimindo ordem e disciplina no ambiente.
Júlio
César acompanhou o trabalho de Maria Souza durante várias semanas, fazendo com
que casos semelhantes a estes fossem repetidos; para isso oferecia cargos,
favores e retribuições aos obsessores, provocando nela a certeza de que
finalmente havia desenvolvido a faculdade de cura.
Em pouco tempo,
certos cooperadores deixaram-se envolver e contaminar pelo ciúme, inveja e
intolerância!
Maria Souza
tornara-se valioso instrumento de atuação do obsessor chefe que a envolvia
nestes pensamentos:
— Você, realmente, é médium de cura e eu sou o
seu médico, seu mentor!
Estamos nos colocando à disposição para um novo trabalho nesta Casa,
desejamos desenvolver aqui grandes trabalhos de cirurgia espiritual, você será
famosa, seu nome será divulgado largamente e todos haverão de respeitá-la.
Entretanto, muitos invejosos desejarão tirá-la da missão, por isso
afaste-se daqueles que quiserem analisar as suas produções. No resto, conta
conosco.
A “médium
curadora”, contaminada pela presunção, já
espalhava aqui e acolá, suas novas “capacidades” e em pouco
tempo os assistidos já disputavam uma vaga junto à sua cadeira para receber os
passes “curadores”.
Na sala, a
competição estava instalada. Vários companheiros invigilantes caíram na
armação das trevas, esquecendo-se de que o trabalho em qualquer área solicita
discrição e fraternidade.
Alguns perdiam-se
na indignação, afirmando que a “curadora”, na realidade, era anímica, vaidosa,
orgulhosa e deveria ser banida do grupo.
Outros formavam
pequenos grupos em favor da passista fascinada. Além das fofocas que
percorriam, a galope, os corredores.
Era o início de
uma séria perturbação espiritual, que daria muito trabalho à diretoria doutrinária
do centro.
Espiritualmente,
Júlio César permanecia eufórico, porque agora já havia lançado dúvidas e
problemas em dois importantes departamentos.
O processo dedicado à destruição da Casa Espírita prosseguia. Os instrutores
espirituais do agrupamento cristão permaneciam atentos, acompanhando o caso de
infiltração, respeitando, contudo, o livre-arbítrio dos trabalhadores encarnados,
ensejando-lhes a oportunidade de colocar em prática os ensinos cristãos.
Livro: Aconteceu na Casa Espírita
Emanuel Cristiano/Nora
Francisco Rebouças