Nos ensina que não basta que amemos somente aqueles que nos foram mais diretamente ligados pelos sagrados laços da consangüinidade, mas também que precisamos desenvolver nosso sentimento de amor com relação ao nosso irmão em humanidade, pois que ele também tem Deus como Pai, comum a nós todos.
Sabemos, que se o amor do próximo constitui o princípio da caridade, amar os inimigos é a mais sublime aplicação desse princípio, porquanto a posse de tal virtude representa uma das maiores vitórias, alcançadas contra o egoísmo e o orgulho, preciso se faze que entendamos as palavras de Jesus como ele as quis empregar.
Encontramos, no Evangelho Segundo o Espiritismo, em seu capítulo XII, “Amai os vossos Inimigos” as explicações para que entendamos bem esse ensinamento de Jesus:
“Amar, nossos inimigos, não deve ser entendido ao pé da letra como muitas religiões pregam aos seus seguidores; nos diz o Evangelho Segundo o Espiritismo, que “não pretendeu Jesus, assim falando, que cada um de nós tenha para com o seu inimigo, a mesma ternura que dispensa a um irmão ou amigo. A ternura pressupõe confiança; ora, ninguém pode depositar confiança numa pessoa, sabendo que esta lhe quer mal; ninguém pode ter para com ela expansões de amizade, sabendo-a capaz de abusar dessa atitude. Entre pessoas que desconfiam umas das outras, não pode haver essas manifestações de simpatia que existem entre as que comungam nas mesmas idéias. Enfim, ninguém pode sentir, em estar com um inimigo, prazer igual ao que sente na companhia de um amigo. A diversidade na maneira de sentir, nessas duas circunstâncias diferentes, resulta mesmo de uma lei física: a da assimilação e da repulsão dos fluidos. O pensamento malévolo determina uma corrente fluídica que impressiona penosamente. O pensamento benévolo nos envolve num agradável eflúvio. Daí a diferença das sensações que se experimenta à aproximação de um amigo ou de um inimigo. Amar os inimigos não pode, pois, significar que não se deva estabelecer diferença alguma entre eles e os amigos. Se este preceito parece de difícil prática, impossível mesmo, é apenas por entender-se falsamente que ele manda se dê no coração, assim ao amigo, como ao inimigo, o mesmo lugar. Uma vez que a pobreza da linguagem humana obriga a que nos sirvamos do mesmo termo para exprimir matizes diversos de um sentimento, à razão cabe estabelecer as diferenças, conforme os casos.
Amar os inimigos não é, portanto, ter-lhes uma afeição que não está na natureza, visto que o contacto de um inimigo nos faz bater o coração de modo muito diverso do seu bater, ao contacto de um amigo. Amar os Inimigos é não lhes guardar ódio, nem rancor, nem desejos de vingança; é perdoar-lhes, sem pensamento oculto e sem condições, o mal que nos causem; é não opor nenhum obstáculo a reconciliação com eles; é desejar-lhes o bem e não o mal; é experimentar júbilo, em vez de pesar, com o bem que lhes advenha; é socorrê-los, em se apresentando ocasião; é abster-se, quer por palavras, quer por atos, de tudo o que os possa prejudicar; é, finalmente, retribuir-lhes sempre o mal com o bem, sem a intenção de os humilhar. Quem assim procede preenche as condições do mandamento: Amai os vossos inimigos”.
Para o incrédulo, para aquele que a vida presente representa tudo, que não vê mais do que a visão terrestre lhe proporciona perceber, é um contra-senso, este ensinamento de Jesus, pois ele vê no seu inimigo um ser nocivo, que lhe perturba o repouso e do qual unicamente a morte, o pode livrar. Daí, o desejo íntimo que desenvolve de vingar-se.
Para esse, perdoar significa mesmo uma fraqueza indigna de ser praticada por ele, e mesmo que não consiga vingar-se, nem por isso deixará de conservar ódio, rancor e secreto desejo de algo de mal venha a acontecer ao seu opositor, e fica de tocaia, aguardando que uma chance lhe seja concedida para que execute seu plano macabro de desforra.
No entanto, para o crente e, sobretudo, para o espírita, muito diversa é a maneira de ver, e interpretar tais situações, pois tem plena certeza, de possuir um passado não tão cristão, e sua fé raciocinada lhe faz ver seu presente como a grande oportunidade de refazer seus caminhos em direção a um futuro melhor e promissor, e entende que a vida presente não passa de mais uma breve estada neste planeta em que já esteve e estará certamente por longos períodos de ida e de volta até adquirir conhecimentos suficientes para não mais precisar retornar, o que sabe estar bastante distante ainda.
Tem, perfeita consciência que, pela atual situação moral do nosso planeta, estará sujeito a conviver com homens maus e perversos; que as maldades com que se defronta fazem parte das provas que lhe cumpre suportar e superar, mas, com o elevado ponto de vista em que se alimenta através dos ensinamentos da abençoada doutrina espírita, percebe ser menos amargas as vicissitudes, quer advenham dos homens, quer das coisas. Se não se queixa das provas, tampouco deve queixar-se dos que lhe servem de instrumento.
Se, em vez de se queixar, agradece a Deus o experimentá-lo, deve também agradecer a mão que lhe dá ensejo de demonstrar a sua paciência e a sua resignação. Esta idéia o dispõe naturalmente ao perdão. Sente, além disso, que quanto mais generoso for. tanto mais se engrandece aos seus próprios olhos e se põe fora do alcance dos dardos do seu inimigo.
No Mesmo capítulo acima citado, encontramos um grave alerta dos mensageiros da boa-nova, a nós espíritas, em relação aos inimigos que temos no plano espiritual e que nem sempre damos a devida atenção para o que pode nos suceder, em virtude de nossa indiferença para com os inimigos que já fizeram a viagem de volta à verdadeira vida e que nem por isso deixaram para trás antigas desavenças iniciadas muitas das vezes por pequenas bobagens que podem se prolongar até por muitos séculos.
Sob o título de “os Inimigos desencarnados”, os imortais da vida maior nos esclarecem da maneira que segue:
“Ainda outros motivos tem o espírita para ser indulgente com os seus inimigos. Sabe ele, primeiramente, que a maldade não é um estado permanente dos homens; que ela decorre de uma imperfeição temporária e que, assim como a criança se corrige dos seus defeitos, o homem mau reconhecerá um dia os seus erros e se tornará bom, Sabe também que a morte apenas o livra da presença material do seu inimigo, pois que este o pode perseguir com o seu ódio, mesmo depois de haver deixado a Terra; que, assim, a vingança, que tome, falha ao seu objetivo, visto que, ao contrário, tem por efeito produzir maior irritação, capaz de passar de uma existência a outra. Cabia ao Espiritismo demonstrar, por meio da experiência e da lei que rege as relações entre o mundo visível e o mundo invisível, que a expressão: extinguir o ódio com o sangue é radicalmente falsa, que a verdade é que o sangue alimenta o ódio, mesmo no além-túmulo. Cabia-lhe, portanto, apresentar uma razão de ser positiva e uma utilidade prática ao perdão e ao preceito do Cristo: Amai os vossos inimigos. Não há coração tão perverso que, mesmo a seu mau grado, não se mostre sensível ao bom proceder. Mediante o bom procedimento, tira-se, pelo menos, todo pretexto às represálias, podendo-se até fazer de um inimigo um amigo, antes e depois de sua morte. Com um mau proceder, o homem irrita o seu inimigo, que então se constitui instrumento de que a justiça de Deus se serve para punir aquele que não perdoou.
Pode-se, portanto, contar inimigos assim entre os encarnados, como entre os desencarnados. Os inimigos do mundo invisível manifestam sua malevolência pelas obsessões e subjugações com que tanta gente se vê a braços e que representam um gênero de provações, as quais, como as outras, concorrem para o adiantamento do ser, que, por isso; as deve receber com resignação e como conseqüência da natureza inferior do globo terrestre. Se não houvesse homens maus na Terra, não haveria Espíritos maus ao seu derredor. Se, conseguintemente, se deve usar de benevolência com os inimigos encarnados, do mesmo modo se deve proceder com relação aos que se acham desencarnados.
Outrora, sacrificavam-se vítimas sangrentas para aplacar os deuses infernais, que não eram senão os maus Espíritos. Aos deuses infernais sucederam os demônios, que são a mesma coisa. O Espiritismo demonstra que esses demônios mais não são do que as almas dos homens perversos, que ainda se não despojaram dos instintos materiais; que ninguém logra aplacá-los, senão mediante o sacrifício do ódio existente, isto é, pela caridade; que esta não tem por efeito, unicamente, impedi-los de praticar o mal e, sim, também o de os reconduzir ao caminho do bem e de contribuir para a salvação deles. E assim que o mandamento: Amai os vossos inimigos não se circunscreve ao âmbito acanhado da Terra e da vida presente; antes, faz parte da grande lei da solidariedade e da fraternidade universais.”
Alertados, portanto, meus irmãos, para o cuidado que devemos ter de desenvolvermos em nós o amor para com os nossos inimigos, como bem nos esclarece essa abençoada doutrina que abraçamos, procuremos doravante, procedermos de conformidade com os seus ensinamentos, pois somos sabedores que a quem mais é dado mais será cobrado, e nós espíritas temos recebido esclarecimentos sobre como devemos proceder nas situações do cotidiano, mais que quaisquer outros irmãos de outros segmentos religiosos.
Que Jesus nos abençoe e ilumine, para que possamos absorver seus ensinos e praticá-los à luz da Doutrina Espírita em nossas atividades diárias.
Francisco Rebouças