Francisco Rebouças
Grande parte, dos adeptos da doutrina espírita, convive com uma dúvida atroz, sem saberem o que responder a quem lhes formule a simples pergunta: o Espiritismo é ou não uma religião? E, bombardeados pelos que dizem sim, e os que teimam em afirmar que não, ficam sem uma opinião definida sobre o assunto, preferindo então adaptarem-se ao convívio com a eterna incerteza, ao invés de procurarem as fontes da própria codificação para dirimi-la.
Início este
artigo fazendo algumas inquirições: Se o espiritismo não for uma religião, qual
será então a religião dos seguidores do espiritismo? Serão ateus? Serão falsos
católicos, protestantes, budistas etc., chamo de falsos, por não professarem e
nem observarem suas filosofias e seus rituais da maneira com eles são pregadas
em seus templos por seus fiéis seguidores.
Vou então,
em busca da definição da palavra, em nosso Dicionário da Língua Portuguesa,
onde consta que: Religião, s.f. Culto prestado à divindade; doutrina ou crença
religiosa; acatamento às coisas sagradas; fé; devoção; piedade; crença viva;
(fig.) tudo que é considerado como um dever sagrado; respeito; escrúpulo. (Do
lat. Religione). Penso que só pela definição morfológica da palavra, acima
mencionada, não restaria mais qualquer dúvida sobre a classificação do
espiritismo como religião, certo? De qualquer forma, vamos em frente. ¹
Muitos desses defensores da teoria de que a doutrina espírita não é uma religião, citam para tanto as mesmas fontes que nós outros que defendemos o contrário; com a diferença de que eles apresentam dessas fontes somente o que lhes convêm apresentar, não trazendo também outros tantos argumentos contrários as suas teses, constantes das mesmas obras, que são simplesmente deixadas de lado, e, se o indivíduo que carrega a dúvida não se dedicar à pesquisa, no mínimo, não terá conhecimento suficiente para pelo menos comparar os argumentos de ambas as correntes e tirar suas próprias conclusões.
Por essa razão, mergulho nos mesmos livros mais utilizados pelos que não querem
que o espiritismo seja considerado uma religião, para trazer os argumentos dos
que defendem que também o espiritismo é sim uma religião; chamando a atenção
para o fato de que é preciso separar apenas às convenções humanas,
estabelecidas por outras correntes religiosas que incorporaram em suas práticas
religiosas, dogmas, rituais, etc., que não são absolutamente encontrados na
doutrina espírita.
Assim sendo, trago a abalizada palavra do insigne codificador do espiritismo,
em minha modesta opinião a autoridade máxima sobre o assunto em questão, no
discurso proferido em primeiro de novembro de 1868, onde Allan Kardec, explica
de forma bem clara não deixando qualquer tipo de dúvidas sobre o assunto,
conforme segue:
“(...) Se, assim é, dir-se-á, o Espiritismo é uma religião? Ora, sim, sem dúvida, senhores. No sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião, e nós nos glorificamos por isto, porque é a doutrina que fundamenta os laços da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas sobre bases mais sólidas: as mesmas leis da natureza.
Por que, pois, declaramos que o Espiritismo não é uma religião? Pela razão de
que não há senão uma palavra para expressar duas idéias diferentes, e que, na
opinião geral, a palavra religião é inseparável da de culto; que ela desperta
exclusivamente uma ideia de forma, e que o Espiritismo não a tem. Se o
Espiritismo se dissesse uma religião, o público não veria nele senão uma nova
edição, uma variante, querendo-se, dos princípios absolutos em matéria de fé;
uma casta sacerdotal com um cortejo de hierarquias, de cerimônias e de
privilégios; não o separaria das ideias de misticismo, e dos abusos contra os
quais a opinião frequentemente é levantada.
O Espiritismo, não tendo nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção
usual da palavra, não podia, nem deveria se ornar de um título sobre o qual,
inevitavelmente, seria desprezado; eis porque ele se diz simplesmente: doutrina
filosófica e moral". ²
No Livro O que é o Espiritismo, no diálogo de esclarecimento que mantêm com o padre, segue Allan Kardec, em suas argumentações sobre o assunto:
O Padre. Não podeis entretanto, contestar que o Espiritismo não está, em todos
os pontos, de acordo com a religião.
A.K. Ora, senhor abade, todas as religiões dirão a mesma coisa: os
protestantes, os judeus, os muçulmanos, assim como os católicos.
Se o Espiritismo negasse a existência de Deus, da alma, da sua individualidade
e da imortalidade, das penas e recompensas futuras, do livre arbítrio do homem;
se ele ensinasse que cada um só deve viver para si, não só seria contrário à
religião católica, como a todas as religiões do mundo; ele seria ainda a
negação de todas as leis morais, bases das sociedades humanas.
Longe disso: os Espíritos proclamam um Deus único, soberanamente justo e bom;
eles dizem que o homem é livre e responsável por seus atos, recompensado ou
punido pelo bem ou o pelo mal que houver feito; colocam acima de todas as
virtudes a caridade evangélica e a seguinte regra sublime ensinada pelo Cristo:
fazer aos outros como queremos que nos seja feito.
Não são estes os fundamentos da religião? (...).
(...) Que prova isto? Que não somos Ateus, o que não quer dizer que sejamos
professos de religião formada (...).
(...) O Espiritismo, como doutrina moral, só impõe uma coisa: a necessidade de
fazer o bem e evitar o mal. É uma ciência de observação que, repito, tem consequências
morais que são a confirmação e a prova dos grandes princípios da religião;
quanto às questões secundárias, ele as abandona à consciência de cada um.
(...) Se o Cristo disse a verdade, o Espiritismo não podia dizer outra coisa, e
em vez de por isso apedrejá-lo, deve-se acolhê-lo como poderoso auxiliar, que
vem confirmar, por todas as vozes de Além-Túmulo, as verdades fundamentais da
religião, combatidas pela incredulidade.
(...) Qual terá mais valor aos olhos de Deus: a prática das virtudes cristãs
sem os deveres da ortodoxia, ou a destes últimos sem a da moral? ³
“O Espiritismo é forte porque assenta sobre as próprias bases da Religião:
Deus, a Alma, as Penas e as Recompensas futuras” (...).- O Livro dos Espíritos
(Conclusão, item V); 4
“(...) O Espiritismo repousa sobre as bases fundamentais da Religião e respeita
todas as crenças; (...) Um de seus efeitos é incutir sentimentos religiosos nos
que os não possuem, fortalecê-los nos que os têm vacilantes (...).”- O Livro
dos Médiuns” (1ª Parte, Cap. III, 24); 5
O Espiritismo, longe de negar ou destruir o Evangelho, vem ao contrário,
confirmar, explicar e desenvolver, pelas novas leis da natureza, que revela,
tudo quando o Cristo disse e fez; elucida os pontos obscuros do ensino cristão,
de tal sorte que aqueles para quem eram ininteligíveis certas partes do
Evangelho, ou pareciam inadmissíveis, as compreendem e admitem sem dificuldade,
com o auxílio desta doutrina (...). – A Gênese (Cap. 1, 41); 6
“O
Espiritismo, que se funda no conhecimento de leis até agora incompreendidas,
não vem destruir os fatos religiosos, porém sancioná-los, dando-lhes uma
explicação racional (...) – Obras Póstumas (I Parte, Manifestações dos
Espíritos, nº 7). 7
Finalizando, este nosso pequeno resumo, alertamos a todos para a necessidade do
estudo sério e aprofundado da doutrina espírita, para não nos deixarmos
influenciar por esta ou aquela tese, defendida por este ou aquele indivíduo,
como nos ensina o codificador do espiritismo, e por essa razão necessitaremos
de muita perspicácia aliada a uma sólida base doutrinária, para podermos nós
mesmos, optarmos por esta ou aquela teoria por estar ela, em nosso entendimento
mais condizente com tudo que conhecemos da doutrina que dizemos professar.
A diferença que tanto divide opiniões não passa de pequeno detalhe a ser
observado que é: O espiritismo não é uma religião no sentido usual da palavra,
como bem nos coloca o codificador, no sentido de que não incorpora rituais,
dogmas variados, sacramentos, hierarquias sacerdotais, uso de vestimentas
especiais, objetos santos ou sagrados e cultos ou práticas exteriores.
Mas sim, no seu legítimo e verdadeiro significado, ou seja: um elo de ligação entre o homem e Deus (pois é este o significado original da palavra religião; do latim: religare), mostrando-nos os verdadeiros caminhos que nos levarão de encontro ao Pai Criador de tudo e de todos, não dando nenhuma importância a forma, mas sim ao conteúdo pelo (pensamento), o que torna o Espiritismo a verdadeira religião, pois, esclarece-nos que o Reino de Deus não se conquista com aparências exteriores, e sim, com a pureza de coração, pois é isso o que Deus deseja de seus filhos.
Fontes:
1)
Dicionário Brasileiro Globo – Francisco Fernandes Celso, Pedro Luft, F. Marques
Guimarães
30ª –
Edição , SP. 1993;
2) Kardec,
Allan, Revista Espírita, IDE – novembro do ano 1868,
3) Kardec,
Allan, O Que é o Espiritismo – FEB, 40ª edição;
4) Kardec,
Allan, O Livro dos espíritos – FEB, 77ª edição;
5) Kardec,
Allan, O Livro dos Médiuns – FEB, 68ª edição;
6) Kardec,
Allan, A Gênese – FEB, 37ª edição;
7) Kardec, Allan, Obras Póstumas – FEB , 13ª edição.