Desde as remotas páginas do Evangelho de Jesus, assim como das narrações do Apocalipse, e mesmo antes, existem revelações em torno de um mundo feliz na Terra, após as terríveis flagelações que alcançariam as criaturas e as dilacerações que sofreria o planeta.
Os sucessivos acontecimentos que estarreceram a sociedade, convidando-a à análise em torno das convulsões que sacodem o mundo físico periodicamente, enquanto os atos hediondos de terrorismo e de atrocidade repetiam-se de maneira aparvalhante, eram sinais inequívocos da grande mudança que já estaria tendo lugar no orbe terrestre.
Passados, porém, os primeiros momentos explorados pela mídia insaciável de tragédias, outros fatos se tornavam relevantes, substituindo aqueles que deveriam merecer mais estudos e aprofundamento mental, de maneira a encontrarem-se soluções para os terríveis efeitos da poluição da atmosfera, do envenenamento das fontes de vida no planeta.
É verdade que alguns movimentos bradavam em convites à responsabilidade das nações e dos governos perversos, responsáveis pela emissão dos gases venenosos, para logo tomarem vulto os planos de divertimentos globais e de novas conquistas para o gozo e a alucinação.
Ainda o pranto das vítimas não secara nos olhos e os efeitos trágicos dos acontecimentos nem sequer diminuíram, e as contribuições da solidariedade eram desviadas para fins ignóbeis, enquanto os sofredores observavam a indiferença com que eram tratados, relegados à própria sorte, após a tragédia que sofreram.
As praias de diversos países do Oceano Indico estavam juncadas de cadáveres, dezenas de milhares jaziam sob os escombros das frágeis construções destruídas e a insensatez turística já planejava novos pacotes para outros paraísos e lugares de lazer e perversão que não foram danificados.
Felizmente, mulheres e homens nobres, organizações e entidades humanitárias sensibilizaram-se com a dor do seu próximo e acorreram com generosidade, oferecendo alguns recursos que podiam diminuir o desespero das vítimas, dos sobreviventes que tinham necessidade de reconstruir os lares e continuar as experiências humanas.
O espetáculo espiritual nas regiões atingidas, no entanto, era muito grave. De igual maneira, em razão da decomposição dos cadáveres humanos e de animais outros e da ausência de água potável, era grande a ameaça do surgimento de epidemias, e os Espíritos, abruptamente arrancados do domicílio orgânico, vagavam, perdidos e desesperados, pelas áreas onde sucumbiram, transformadas em depósitos de lixo e de destroços, numa noite sem término, pesada e ameaçadora. Os gritos de desespero, os apelos de socorro e os fenômenos de imantação com outros desencarnados infelizes, constituíam a geografia extrafísica dos dolorosos acontecimentos.
Acompanhávamos os tristes acontecimentos desde nossa comunidade, através de recursos especiais que nos projetavam as imagens terríveis, recolhendo-nos às reflexões do que seria possível contribuir para atenuar tanto desespero e cooperar pelo restabelecimento da ordem.
O banditismo aproveitava-se da situação deplorável para estrangular as suas vítimas, exploradores hábeis negociavam sobre os despojos dos perdidos e alienados, conspirações hediondas forjavam hábeis manobras para a usurpação do máximo daqueles que nada quase possuíam.
Era esse, de alguma forma, o espetáculo horrendo pós-tragédia do tsunami.
No dia seguinte, deveríamos reunir-nos com os organizadores da jornada à região conflagrada, de modo a tomarmos conhecimento dos serviços de emergência a serem realizados.
Amanhecera de forma esplêndida, com o céu azul turquesa nimbado de suave claridade que iluminava toda a nossa comunidade.
Embora nos encontremos sob a mesma ação das leis que vigem na manutenção do orbe terrestre, a luz do Sol que nos alcança, porque não encontra obstáculos materiais para produzir o aquecimento contínuo, tem sempre a mesma temperatura, também resultado de camadas especiais de energia emanada dos fótons que envolvem o nosso campo vibratório.
Dessa forma, não ocorrem alterações como aquelas sofridas no planeta e decorrentes da sua posição em relação ao Astro-rei.
Deveríamos encontrar-nos às 10 horas, à sombra de venerando cedro no jardim que circunda o Templo ecumênico, onde todos os religiosos das mais diferentes convicções podem reunir-se para vivenciar as suas doutrinas.
O órgão derramava musicalidade especial, e quando nos aproximamos, Oscar e nós, os demais membros se nos acercaram jovialmente. Ivon Costa acompanhava o responsável pelo grave empreendimento, cabendo-lhe o dever de apresentar-nos, o que ocorreu sem maiores circunlóquios.
— Temos o júbilo — começou o amigo — de pôr-vos em contato com o nosso benfeitor, que está encarregado de conduzir-nos aos labores terrenos.
O novo amigo sorriu discretamente e ampliou os esclarecimentos, informando:
— Quando, no corpo somático, vivi o maior período da existência na região da Polinésia. Fiz parte dos conquistadores que, em nome da civilização europeia, se impuseram aos ilhéus de uma larga faixa dos mares do Sul…
"Guardando conceitos equivocados, considerávamo-nos superiores aos que chamávamos indígenas e, em nome dos nossos falsos valores, lutamos para aculturá-los com a nossa presunção de senhores do conhecimento.
"Ledo engano! À medida que convivíamos com eles descobrimos a sabedoria de que eram portadores, no seu aparente primitivismo. Encontramos, nos seus cultos, considerados grosseiros, informações profundas, que eram passadas de uma para outra geração oralmente e pelos trabalhos a que se afeiçoavam. Seus xamãs, em momentosas comunicações espirituais eram, ao mesmo tempo, sacerdotes e médicos, pensadores e sábios, conselheiros, administradores e psicólogos eficientes.
"Com eles tomamos conhecimento da interferência dos mortos na existência dos vivos e aprendemos que a terapia mais eficiente diante dos desafios do binômio saúde doença é sempre o amor expresso no respeito recíproco e nos cuidados que são oferecidos por todos aos membros do clã.
"Com o suceder do tempo, optei por viver com a sua ingenuidade, assimilando os seus costumes e as suas habilidades.
"A existência tornou-se longa e proveitosa, permitindo-me amar sem condições e receber o tributo do respeito e do afeto dos seus sentimentos puros.
"A desencarnação de maneira nenhuma afastou-me da sua convivência, e agora, quando a desolação e a tragédia assolam, entre aqueles que muito lhes devemos, candidatei-me a participar de uma das caravanas de auxílio em nome da gratidão."
Calou-se, por um pouco, e, emocionado, concluiu:
— Sou o vosso irmão Charles White, de origem inglesa, que exercera a medicina convencional.
"Encontramo-nos em vossa Colônia, realizando um estágio, para o qual trouxemos diversos amigos, que vestiram a indumentária de diferentes nacionalidades, a fim de treinarmos técnicas de socorro especial com os vossos guias e podermos aplica-las em nossa área de atendimento, conforme, logo mais, teremos oportunidade de o fazer.
"Indispensável que conheçais aqueles com os quais convivereis por um mês em atividade de amor, exercitando solidariedade na região que nos aguarda, no amado planeta terrestre.
"Sede bem-vindos à nossa caravana."
Ivon, logo depois, apresentou-nos jovem Espírito na feminilidade, que servia de auxiliar de enfermagem ao esculápio e mais dois outros dedicados servidores que se radicaram anteriormente nas Filipinas.
De imediato, estabelecemos laços de simpatia e amizade, desde que estaríamos juntos a partir daquele momento, abraçando as responsabilidades do Bem.
— Nosso empreendimento — explicou-nos o Dr. Charles — está dividido em duas fases: a primeira delas terá lugar na região do tsunami, e a segunda na psicosfera do Brasil, preparando as mentes e os sentimentos para as reencarnações especiais.
Depois de expor o projeto em que nos encontrávamos comprometidos, liberou-nos, estabelecendo às 18 horas, como a ocasião de ser realizada a viagem ao planeta amado.
A curiosidade espicaçava-me a mente, considerando a magnitude do labor desenhado, especialmente em razão da convivência que teríamos com Espíritos de culturas diferentes e hábitos com os quais não me encontrava familiarizado.
Os amigos filipinos logo se permitiram identificar: o mais idoso informou-nos haver sido sacerdote católico numa das muitas ilhas e chamava-se Marcos. Havia-se dedicado ao ministério da fé religiosa e à educação infantil, havendo desencarnado nos idos do ano de 1954 aos setenta anos de idade. O outro, mais jovem e sorridente, vestia-se de maneira própria do seu povo, e logo se desvelou, elucidando que pertencia à religião muçulmana e era conhecido como Abdul Severin, que desencarnara vitimado por febre palustre aos 40 anos de idade.
A caravana, portanto, se constituía de membros de variada formação espiritual, que possuía como ponto comum de entendimento o amor que vige soberano no Universo, como uma das forças de equilíbrio cósmico, considerando-se ser de essência divina.
Por nossa vez, Oscar expôs a sua formação judaica, e nós outro referimo-nos à adoção do comportamento espírita.
De maneira comovedora demo-nos conta de pertencermos à mesma grei, conforme assinalou Ivon, jovialmente: O Bem Imarcescível!
Nossos diálogos prolongaram-se, enquanto o Dr. Charles e sua auxiliar Ana, de formação anglicana, providenciavam os equipamentos necessários à primeira fase das próximas atividades.
O padre Marcos, que conhecia a região que visitaríamos, esclareceu-nos que o insólito e trágico choque das placas tectônicas gerador das imensas ondas destrutivas, era aguardado, e que providências espirituais haviam sido tomadas, inclusive, construindo-se um posto de socorro espiritual sobre a região que sofreu mais danos decorrentes do epicentro da catástrofe.
Engenheiros e arquitetos desencarnados movimentaram-se com rapidez e edificaram uma comunidade de emergência, que a todos nos albergaria logo mais,
recebendo também aqueles aos quais socorrêssemos.
Curiosamente ampliou os esclarecimentos, informando que os ocidentais em férias que se fizeram vítimas, mantinham profunda ligação emocional com aquele povo e foram atraídos por forças magnéticas para resgatar, na ocasião, velhos compromissos que lhes pesavam na economia moral.
— Nada acontece, sem os alicerces da causalidade! — concluiu.
Surpreso, perguntei-lhe como conciliava o conceito da reencarnação com os dogmas esposados pela sua formação católica.
Gentil e educado, esclareceu-me:
— O caro Miranda não ignora que as formulações da Verdade partem deste mundo real na direção da Terra, e que as religiões as vestem de superstições, de lendas e dogmas, conforme os níveis de consciência das criaturas que lhes aderem, velando umas e liberando outras. Nada obstante, quando retornamos ao país da imortalidade desaparecem as fórmulas, dando lugar ao surgimento da essência que logo assimilamos por afinidade e pela lógica do Bem universal.
Sorrimos, agradavelmente, e prolongamos a edificante conversação até duas horas antes de iniciarmos o novo empreendimento.
Ivon e nós outro, deveríamos participar da experiência iluminativa, como um estágio de aprimoramento espiritual, na região sofrida, acompanhados por Oscar, que se encontrava estagiando em nossa comunidade, para o mesmo empreendimento.