De seu próprio punho, Chico Xavier nunca escreveu nenhum livro. E no entanto já tem, publicados, quase cinco milhões de exemplares lidos avidamente por seus público. São obras “psicografadas”, como se usa dizer no Espiritismo, o que significa que todas foram escritas através dele por seus guias. Chico Xavier é um fenômeno, antes de qualquer coisa, editorial. E que ganha uma dimensão ainda maior num país onde cresce, cada vez mais, o espiritualis-mo. Filas imensas se formam em Uberaba, onde mora, à espera da palavra de Chico Xavier, considerado o maior “médium” do Brasil.
Nestas páginas mostramos quem é e o que é esse fenômeno.
114 – Perfil de Chico Xavier
Um homem feio, pobre, caipira, doente, velho. Um homem que mora longe, numa rua sem asfalto que enche de poeira sua casa humilde e desarrumada. O que terá este homem pa-ra atrair as centenas de pessoas, que, semanalmente, chega a Uberaba à sua procura, vindas de todos os Estados do Brasil, algumas até do exterior; pessoas de todas as classes sociais, trazidas por veículos que, conforme as suas posses, vão desde o caminhão tipo romaria até o avião?
Uma mediunidade extraordinária que inclui dons como a psicografia (o principal), a vi-dência, a audição (de espíritos, claro) e o de fazer viagens no corpo astral que já lhe conferi-ram o poder de ubiqüidade. Dons que acabaram por transformá-lo no papa do Espiritismo no Brasil.
115 – Vicente Leporace e Eurípedes
Por isto, não é nada fácil chegar perto de Francisco Cândido Xavier, ou melhor, do Chi-co Xavier – que é assim que o povo prefere chamá-lo.
Que o diga o Vicente Leporace, que, além de ser um conhecidíssimo homem do rádio paulista via “O Trabuco”, seu programa diário transmitido pela Rádio Bandeirantes, é tam-bém um dos diretores do Lar Mãe Mariana, respeitável Centro da Capital, um espírita enfim, dos mais convictos.
Acontece que o Leporace incorreu no erro de bater à porta da casa de Chico Xavier em dia não destinado ao atendimento público. E teve pela frente um dos mais temíveis ajudantes de ordem do médium, o zelozíssimo Eurípedes. Rechaçado, Leporace teve que fazer o cami-nho de volta até São Paulo remoendo a sua raiva. E no dia seguinte, abriu a boca no mundo em frente ao microfone: que Chico Xavier era um grande médium, uma grande pessoa, mas pessimamente assessorado. Que, sendo seu amigo, é claro que Chico não teria recusado rece-be-lo, se ele tivesse tido a oportunidade de falar pessoalmente, não lhe tinha dado chance, etc, etc, etc.
“Faz-te mel que as pessoas te devoram” – disse o escritor Bernardo Elis, numa página que integra o livro de depoimentos sobre Chico, que comemora os seus 50 anos de mediuni-dade. E é justamente por conhecer o coração de Chico, que além de boníssimo é um coração doente, que seus amigos mais chegados (o termo ajudantes-de-ordens foi usado mais acima, como simples força de expressão), que seus amigos mais chegados vêm formando em torno dele, nos últimos tempos, um cerco que só não se tornou ainda inexpugnável devido à dedi-cação do próprio Chico à causa que foi chamado a abraçar com apenas quatro anos de idade. Não, não, não – estou exagerando um pouco. Com quatro anos fizeram-se notar os primeiros sinais que mostraram os seus pais que alguma coisa “fora de série” ocorria com seu filho Francisco.
116 – Fatos Mediúnicos da Infância
-Eu tinha quatro anos de idade quando voltei da cidade de Matozinhos, perto de Pedro Leopoldo, onde nasci, em companhia de meus pais e de meus irmãos. Meus pais haviam as-sistido às cerimônias religiosas que naquele tempo eram consideradas de praxe para todas as famílias católicas. Havíamos caminhado onze quilômetros. Chegamos em casa, numa noi-te bastante fria, com chuva. Meus irmãos, se dirigiram logo para o descanso do sono. Minha mãe, naturalmente preocupada com problemas de saúde, trocou-me a roupa e, como eu es-tava fatigado, levou-me à cozinha, onde fora fazer um café para o meu pai. Enquanto espe-rava o café que se fazia, meu pai começou a falar a respeito de um problema de aborto que havia ocorrido com uma de nossas vizinhas. Uma criança havia nascido fora de tempo e meu pai, que não havia atingido a verdade sobre o assunto, discutia com minha mãe a res-peito. Nesse instante, eu ouvi uma voz e então transmiti para meu pai. “O senhor natural-mente não está informado com respeito ao caso. O que houve foi um problema de nidação inadequada do ovo, de modo que a criança adquiriu posição ectópica”. Meu pai arregalou os olhos e disse para minha mãe: “O que é isso, Maria? Esse menino não é o nosso. Troca-ram esta criança na igreja, enquanto nós estávamos na confissão” – e me perguntou o que vinha a ser nidação, o que vinha a ser ectópico, o que vinha a ser implantação. E eu não sa-bia explicar coisa nenhuma porque falei o que uma voz me dissera. Ele me olhou com muita desconfiança, e minha mãe comentou: Não, João, este menino é o nosso mesmo “– Esse me-nino não é o nosso” – Até a roupa dele esta mudada! (disse o pai). Então a minha mãe ex-plicou: “Eu mudei a roupa da criança agora, por causa do frio”. Eu tinha quatro anos de idade e me recordo perfeitamente.
(Depoimento de Chico Xavier no programa de Hebe Camargo, em 17/9/73, na Tv Re-cord, inserto no livro “A Terra e o Semeador”).
Depois disto, as vozes e outras manifestações dos espíritos não o largaram mais. A pon-to de criar para o pequeno Chico, situações altamente embaraçosas, como, por exemplo, a que ele cita, em depoimento a Elias Barbosa, no livro “No Mundo de Chico Xavier”:
-Muitas vezes em aula, quando criança, ouvia vozes dos espíritos ou sentia mãos sobre as minhas mãos que eu sentia vivas, guiando meus movimentos de escrita, sem que os outros as vissem. Isso me criava muitos constrangimentos. Lembrarei um episódio curioso. Em 1922, eu contava com 12 anos deidade e freqüentava o 4o ano escolar do Grupo Escolar São José, em Pedro Leopoldo (...) O governo do Estado de Minas Gerais instituiu prêmios para os alunos de todas as classes de 4o ano das escolas primárias que apresentassem as melho-res páginas sobre a história do Brasil (...). Abertos os trabalhos no dia indicado, quando começamos os preparativos para a escrita, vi um homem a meu lado, ditando-me como eu deveria escrever. Assustei-me porque perguntei ao meu companheiro de banco, Alencar de Assis, se ele estava vendo esta pessoa. Ele me disse não ver ninguém, e acrescentou que eu estava com medo da prova e que era preciso sossegar-me. O homem, contudo, me disse o primeiro trecho que eu deveria escrever. Tendo ouvido claramente, pedi licença para levan-tar-me e fui ao estrado sobre o qual a professora estava sentada. Então disse a ela em voz baixa: “Dona Rosália, perto de mim, na carteira, eu vejo um homem ditando o que devo es-crever”. Apesar de ser ainda muito jovem, naquele tempo ela era uma criatura de imensa bondade e profunda compreensão que sempre me ouvia com grande paciência. Depois de escutar-me, perguntou igualmente em voz baixa: “O que é que este homem está mandando você escrever?” Eu repeti o que ouvira do espírito explicando: “Ele me disse que eu devo começar a prova contando assim:” O Brasil, descoberto por Pedro Álvares Cabral, pode ser comparado ao mais precioso diamante do mundo que logo passou a ser engastado na Coroa Portuguesa... “Ela mostrou admiração no semblante, mas me falou em voz mais baixa ain-da:” Volte, meu filho, para a sua carteira e escreva a sua prova. A sala está repleta de pes-soas que nos observam e agora não é o momento de você ver pessoas que ninguém vê. Não acredite que esteja escutando estranhos. Você está ouvindo a você mesmo. Dê atenção ao seu pensamento. Cuide de sua obrigação e não fale mais nisso”. Voltei e escrevi o que o es-pírito me ditava, porque, ou escrevia ou eu desobedeceria a ela, a quem respeitava e amava muito (...). Passados alguns dias, o nosso Grupo em Pedro Leopoldo recebeu a notícia de que as autoridades na Capital mineira me haviam distinguido entre os alunos classificados com Menção Honrosa (...). Dna Rosália ficou muito satisfeita, mas, de minha parte, sabia que as páginas não eram minhas. Amigos de Pedro Leopoldo tomaram conhecimento do as-sinto e houve quem dissesse que eu havia copiado o trabalho de algum livro de História. Dona Rosália acreditava em minha sinceridade, mas a nossa turma do Grupo ficou dividida. Alguns colegas admitiam que eu falava a verdade, outras me consideravam mentiroso. Muito me desgostavam as acusações que passei a sofrer na vida escolar, até que, um dia, em aula, um colega afirmou que seu eu vira um homem do outro mundo ditando a prova pela qual fui premiado, era natural que eu visse esse homem outra vez, ali mesmo e naquela hora, ao lado de todos, para escrever. Neste justo instante, tornei a ver o homem que os outros não viam e comuniquei à professora que ele me dizia estar pronto para escrever. Dona Rosália Laran-jeira hesitou em aceitar o oferecimento; entretanto, os meus colegas pediram em voz alta para que eu atendesse. A professora então me permitiu ir ao quadro negro, a fim de escrever à vista de todos (...). Uma nossa colega, Oscarlina Leroy lembrou: “Gostaria que o tema fosse areia, porque tenho carregado muita areia para auxiliar uma pequena construção de meu pai”. Todos os meninos presentes riram-se da lembrança e acharam que areia era uma coisa desprezível. Alguns fizeram piadas, mas o pedido de Oscarlina foi sustentado (...). Lembro-me que o espírito amigo, ali, ao meu lado, começou ditando: “Meus filhos, ninguém escarneça da criação. O grão de areia é quase nada, mas parece uma estrela pequenina re-fletindo o sol de Deus...” A composição foi escrita com muitas idéias que eu seria incapaz de conceber nos meus doze anos de idade. Os meninos ficaram em silêncio por alguns instantes, e quando voltaram a conversar, a nossa professora determinou o encerramento do assunto. Daí em diante, Dona Rosália proibiu qualquer comentário na classe sobre pessoas invisí-veis. Nem eu podia dar notícias de coisas estranhas que eu visse e nem os meus colegas de-veriam me perguntar coisa fora de nossos estudos.
117 – Início do Trabalho. Emmanuel
Sua efetiva entrada para o Espiritismo, porém, deu-se apenas em 1927, depois de José Hermínio Perácio, amigo da família, que era médium, conseguiu livrar uma das suas irmãs de uma “terrível obsessão”, aliando a essa prova, mensagens (psicografadas) recebidas por sua mulher, Carmem Perácio, onde Maria João de Deus, a mãe de Chico falecida em 1915, “numa grafia igual a que a nossa genitora usava quando na Terra”, entrava “em pormenores da nossa vida íntima que essa senhora desconhecia”.
E em 1931, finalmente, o encontro com o mentor espiritual Emmanuel, que já o acom-panhava desde a infância e continua a assisti-lo até hoje, juntamente com os espíritos de Ma-ria João de Deus, do doutor Bezerra de Menezes, de Meimei e André Luiz, entre outros. O livro “Lindos Casos de Chico Xavier”, que narra a parte deste encontro que pôde ser conhe-cida, reza que ele (o encontro) deu-se às margens de um belo açude onde Chico Xavier cos-tumava ir rezar nos dias feriados. Primeiro, a visão de uma cruz “muito bela” por entre as árvores, em seguida, “surgindo em meio aos raios de luz”, o seu mentor apresentou-se “en-vergando uma túnica semelhante à dos sacerdotes e em seu semblante as feições de um an-cião venerável”.
- “Está você realmente disposto a trabalhar na mediunidade com Jesus?” – pergunta o orientador espiritual.
- “Sim, se os bons Espíritos não me abandonarem” – respondeu o médium.
- “Não será você desamparado – disse-lhe Emmanuel – mas para isso é preciso que vo-cê trabalhe, estude e se esforce no bem”.
- “E o senhor acha que eu estou em condições de aceitar o compromisso?” – tornou Chico.
- “Perfeitamente, desde que você procure respeitar os três pontos básicos para o Servi-ço...”
Porque o Protetor se calasse o rapaz perguntou:
“Qual é o primeiro?”
“Disciplina”.
“E o segundo?”
“Disciplina”
“E o terceiro?”
“Disciplina”.
118 – Privilégio de Chico Xavier
E de lá para cá, Chico, que no dia 02 último completou 68 anos de idade e 50 de mediu-nidade, não parou mais. Seja psicografando livros – sua principal tarefa – que já totalizaram até a presente data 153 títulos, segundo dados colhidos em “Luz Bendita”, volume composto por depoimentos sobre Chico lançado para comemorar o cinqüentenário de suas atividades mediúnicas; um número incalculável de receitas (os remédios indicados, é preciso dizer, são sempre homeopáticos); de mensagens enviadas por serem desencarnados a seus parentes a título de consolo e prova da sobrevivência do Espírito à morte corporal. Seja realizando ses-sões de desobessões ou dando, de viva voz, sinais da existência de um mundo imaterial.
Que privilégios terão adquirido o médium, após tantos anos ao serviço do além e de seus semelhantes, sobre o comum dos mortais? O depoimento dado pelo casal Nena e Francisco Galves e transcrito pela repórter Marlene S. Nobre (mulher do deputado oposicionista Freitas Nobres e que ele forma um casal de espíritas dos mais ferrenhos) para a edição especial da “Folha Espírita” sobre o cinquentenário da mediunidade de Chico Xavier, diz que ele deu a seguinte resposta a um senhor que, encontrando-se numa das ruas de São Paulo, dirigiu-lhe a mesma pergunta:
“Meu amigo, eu não sei quais são os meus privilégios perante os Céus, porque fiquei órfão de mãe aos cinco anos de idade, fui entregue à proteção de uma senhora que durante dois anos, graças a Deus, me favorecia com três surras de vara de marmelo por dia, empre-guei-me numa fábrica de tecidos aos oito anos de idade. E nela trabalhei durante quatro a-nos seguidos à noite, estudando na escola primária durante o dia. Não podendo continuar na fábrica, empreguei-me como auxiliar de cozinha, balcão e horta, num pequeno empório, durante mais quatro anos, em seguida empreguei-me numa repartição do Ministério da A-gricultura, na qual trabalhei trinta e dois anos, começando na limpeza da repartição até chegar a escriturário, quando me aposentei; em criança sofri moléstia de pele, fui operado no calcanhar onde me cresceu um grande tumor; sofri dos doze aos quinze anos de Coréia ou ”mal de São Guido“, fui operado em 1951 de uma hérnia estrangulada, acompanhei a desencarnação de irmãos que me eram particularmente queridos em família; sofri um pro-cesso público em 1944, de muitos lances difíceis e amargos, por causa das mensagens do grande escritor Humberto de Campos; em 1958, passei por escandalosa perseguição com muitos noticiários infelizes da imprensa, perseguição de tal modo intensa que me obrigaram a sair do campo reconfortante da vida familiar em Pedro Leopoldo onde nasci, transferindo-me para Uberaba, em 1959, para que houvesse tranqüilidade para os meus familiares que não tinham culpa de eu haver nascido médium; em 1968 fui internado no Hospital Santa He-lena aqui em São Paulo, para ser operado numa cirurgia de muita gravidade e agora, no princípio deste ano do cinquentenário de minhas pobres faculdades mediúnicas, agravou-se em mim um processo de angina que começou em novembro do ano passado... angina essa com a qual estou lutando muito. Se tenho privilégios, como o senhor imagina, devo ter esses privilégios sem saber”.
119 – Direitos Autorais. Donativos e Amigos
Como se não bastasse tudo isto, Chico Xavier, como dissemos acima, é pobre. Poderia estar rico, se quisesse. Se, por exemplo, não tivesse doado todos os direitos dos livros que psicografou até hoje (somados eles já alcançaram 4.801.500 exemplares) às editoras espíritas e às obras assistenciais por elas mantidas (“Você pode ir verificar isto nas editoras, que até me faz um favor” – disse-me ele. O que, depois de conhecê-lo pessoalmente e ver a maneira como vive, não me pareceu necessário. A sugestão, no entanto, fica aberta aos incrédulos); se não desse todos os presentes ganhos logo após o seu recebimento; se não recusasse qualquer donativo, nem mesmo quando eles crescem a ponto de transformar-se em vultosas heranças.
Este foi o real motivo – guardado a sete chaves por Chico Xavier e por seus seguidores mais diretos, “para não virar fofoca” – que obrigou o médium a mudar a sede dos seus traba-lhos espíritas da Comunidade Espírita – onde eles tiveram lugar desde que Chico transferiu-se para Uberaba – para a modestíssima casa atual da Avenida João XXIII. “Acontece que uma senhora quis deixar para o Chico a herança de uma fazenda que valia dois milhões no-vos – revelou-me, por fim, uma seguidora mais incontida – e ele não queria aceitar de jeito nenhum. Mas o pessoal da Comunhão começou a pressioná-lo de tal forma que ele um dia acabou dizendo.” Está bem, então eu aceito a herança, passo ela para vocês (para a Comu-nhão Espírita) e saio daqui ““.
Para Chico, como vêem, a sua missão fica acima de tudo, até mesmo de sua vida. Pois se ele fosse seguir os conselhos de seu cardiologista, há muito que ele, que já teve dois enfar-tes, não estaria mais atendendo todos os desesperados que o procuram as sextas e sábados, os dois únicos dias da semana em que se limita agora a desenvolver suas atividades.
Por isso o cerco de amigos preocupados, que precisa ser rompido, se não quisermos ser obrigados, como muitas pessoas, a postar-nos na fila que rodeia o Centro desde quarta-feira para conseguir trocar umas poucas palavras com o médium na sexta. Então o que é que a gente faz? Mesmo sabendo que conseguir uma entrevista “não é possível, de jeito nenhum” (segundo Eurípedes) ou “vai depender apenas da intuição que o Chico tiver na hora” (segun-do outros), consegue-se uma carta de apresentação com uma pessoa de boa vontade como a Marina Strazzer, mulher do Carlos Augusto, que tanto sucesso fez como “O Profeta”, os dois ardorosos seguidores da doutrina kardecista, e ajunta-se a esta outra, fornecida pelo não me-nos amável senhor Stig, proprietário da Livraria Boa Nova, onde, aliás, trabalha um dos ir-mãos de Chico Xavier, carta esta onde é citado o nome do conhecido jornalista espírita Her-culano Pires, que para isto deu permissão e com o coração munido de fé em Deus toca-se pa-ra Uberaba...
120 – Observações e Impressões da Repórter
Durante os entendimentos mantidos pela manhã (de sexta-feira) no consultório dentário de Eurípedes, havia ficado combinado que eu deveria encontrá-lo às 14:30 horas na porta da sua casa, que é também a do médium. “Nós vamos juntos para lá (para o Centro, cujas ativi-dades iniciavam-se, nesse dia, às 14 horas)” – prometeu-me.
(Eurípedes Humberto Higino dos Reis conhece Chico Xavier desde os sete anos de ida-de através de sua mãe Carmem Higino dos Reis, há longa data seguidora do médium, Dona Carmem agora mora sozinha, desde que, há dez anos, “O Chico pediu se eu deixava o Eurí-pedes (então com 17 anos) morar com ele para lhe fazer companhia”. Pois, Chico, sabe-se, sentia-se muito sozinho desde que se viu afastado da família. Na casa, além de Eurípedes e de Chico, moram também um sobrinho deste último e uma senhora que, parece-me, é a em-pregada).
121 – O Perfume de Flores
(Como, além de conhecer o meu eleitorado, estou ciente da impressão que muita gente, que não conhece Chico, tem dele, e de algumas acusações que às vezes lhe são feitas decla-radamente pela imprensa, vou limitar-me a reproduzir aqui uma história que me foi contada por um jornalista amigo meu, sujeito muito sério e incrédulo, a respeito de uma reportagem que ele havia sido incumbido de fazer, uma vez, com Chico Xavier, para a revista “Planeta”).
(“Quando o Chico entrou na sala da casa dele para conversarmos” – disse ele – “a sa-la ficou cheia de um perfume de flores tão forte que eu logo pensei: puçá, como essa b... en-che-se de perfume! Então, da´a pouco, ele teve que ir lá para o quarto dele procurar umas fotografias e quando ele saiu da sala, o perfume desapareceu. Aí eu fiz uma pergunta para o Chico e quando ele respondeu, lá do quarto, o perfume voltou a encher a sala. Depois, no meio de uma pergunta que o Chico estava respondendo eu pensei: Como é que um homosse-xual destes pode ser líder de um movimento espiritual tão sério? – E sabe o que foi que a-conteceu? Ele parou a resposta que estava dando e começou a responder a pergunta que eu estava fazendo em pensamento!!! Disse que podia jurar nunca ter tido uma relação sexual na vida com mulher e muito menos com homem. Que era virgem e que suas características femininas deviam-se ao fato de ele ser, ao mesmo tempo, pai e mãe de uma nova era”).
(Como vêem, tudo que está contido nestes parênteses nada mais é que o resultado de uma associação de idéias).
Quando Eurípedes entrou – uns trinta minutos após o horário combinado – com seu pos-sante Corcel II – na empoeirada garagem da empoeirada casa que é o lar de Chico Xavier e onde, além de mim, várias pessoas esperançosas de uma intercessão sua abrigavam-se da violentamente ensolarada tarde uberabense, eu já havia me solidarizado com uma igualmente empoeirada e modesta família goiana, que tinha viajado três dias de carro perseguindo a mi-ragem de chegar perto de Chico Xavier, pois, como me dizia a mãe dessa família. “Não pre-cisa nem falar com ele não. Só de ver o Chico eu já fico contente”.
Eurípedes, porém, foi implacável. Ao abrir a porta que dava para o interior da casa, permitiu que apenas um grupo extremamente diminuto entrasse junto com ele (se eu não ti-vesse corrido também, não teria entrado, é preciso que se diga) recebendo os decepcionados protestos com um lacônico !mas o que é que eu posso fazer? A família goiana ficou de fora.
Mais meia hora de espera no jardim cercado por altos muros da casa (pois a ninguém foi permitido entrar no seu interior) e finalmente dá-se a ansiosamente esperada aparição do fa-moso médium. De terno branco, óculos escuro, um tanto gordo, atarracado, ele vem andando calmamente e é logo cercado por desconhecidos e assessores diretos, entre os quais encontra-se o impenetrável casal Weaker, um dos principais doadores da casa onde funciona o Grupo de Prece.
Este homem que recebe cumprimentos e recomendações em voz baixa com tanta amabi-lidade, parece-me, devo confessar, bastante distante da imagem de Chico Xavier que eu guardava na mente. Uma imagem à qual eu tinha horror. A imagem de um homem feio, com uma peruca inadequada, horrorosa, que falava sempre como se estivesse pedindo desculpas por ter nascido, palavras que me pareciam por demais adocicadas, palavras pertencentes ao jargão espírita, uma religião da qual, há muitos anos eu me havia afastado.
A proximidade da presença física de Chico Xavier faz milagres e já ali eu comecei a perceber os eflúvios da sua tão decantada bondade. Algo indefinível, mas ao mesmo tempo tão forte, que anula completamente o físico desfavorecido, a lembrança de todos os boatos maldosos espalhados, durante anos, pelos seus detratores, a incrível peruca, que, por sinal, não é mais tão incrível, substituída que foi por outra, de melhor qualidade e mais discreta, com esparsos fios grisalhos (Quanto a este detalhe, lembro-me de ter prometido a mim mes-ma não descansar enquanto não soubesse por que um homem que tem tão pouco apego às coisas materiais insiste em lançar mão deste recurso). Falei-lhe no nome de Marina Strazzer e ele sorriu, como se lhe trouxesse boas recordações.
Quando o cortejo ia pôr-se a caminho lembrei a Eurípedes a sua promessa de levar-me junto com eles e antes que ele pudesse mudar de idéia, enfiei-me rápido no banco traseiro do carro. E sem mais perda de tempo; comecei a puxar papo com Chico Xavier. Entreguei-lhe a carta com recomendações do senhor Stig e de Herculano Pires e, ao mesmo tempo, solicitei-lhe, em voz alta, a entrevista.
Quanto à entrevista – disse – falaria comigo mais tarde. “Se der tempo, hoje à noite, de-pois dos trabalhos. Senão, amanhã. Perguntei pela sua saúde, ele garantiu-me estar” um pou-quinho melhor, Graças a Deus “. Indaguei se era verdadeira sua grande curiosidade a respei-to, do final da novela” O Profeta “. Disse-me que sim. Contei-lhe então que, até o momento, corriam boatos de dois finais para a novela. Que segundo uma versão, Daniel morreria no desastre de carro que ele próprio havia previsto, e segundo outra Daniel se casaria com a Ca-rola. Quis saber qual das duas era a sua preferida.” Ah, eu fico sempre com a vida” – respon-deu-me sorrindo. Lembro-me de ter estranhado ouvir esta frase dos lábios de uma pessoa que demonstra tanta certeza na existência de uma vida além-túmulo. E de ter anotado mentalmen-te a necessidade de inquiri-lo sobre isto em momento oportuno.
A chegada do carro que trazia Chico ao Grupo de Prece fez a fila que o rodeava torcer-se em convulsões que tornaram os guardas de plantão extremamente alertas.
“Antigamente não tinha guarda, não tinha nada, mas depois foi preciso pôr, porque se não, dá atrito” – queixou-se Chico, como se desculpando.
Uma vez lá dentro, Eurípedes permitiu que eu sentasse quase ao lado de Chico (digo quase, porque ao lado de Chico estava o próprio Eurípedes) no banco de madeira colocado ao lado da porta de entrada, por onde passaria a imensa fila de postulantes, alguns dos quais, como já disse acima, estavam ali à espera desde a quarta-feira.
“Fique atenta que você vai ver: às vezes, uma pessoa chega e diz que quer saber notícias de um parente que morreu e o Chico responde: Ah! sei, o fulano de tal, não é?” – alerta-me Eurípedes. Mas não foi possível seguir o seu conselho. Pois além do amigo de Chico ter se postado entre nós dois, o médium fala muito baixinho, sua fraca voz sendo encoberta pelas vozes daquela gente desesperada que muitas vezes já chega chorando à sua presença.
-Você sabe o que é uma mãe perder um filho, Chico?
-Chico, eu estou desenganado pelos médicos.
-Eu vim aqui, Chico, porque sou um suicida em potencial.
E tome beijo no rosto de Chico, abraço apertado e mil beija-mãos que, igual aos pedi-dos de bênçãos feitos aos padres, são retribuídos com outros beijos cautelosos, que não che-gam a encostar mesmo nas mãos dos pedintes. E a tênue voz de Chico nunca se altera, en-quanto ele anota o nome a idade dos queixosos numa folha de papel. Vai confortando, pedin-do paciência, fé, dando esperanças, e conforme o caso, insistindo para que o queixoso não deixe de visitar também os médicos cá da Terra.
(“Estes casos – disse-me Eurípedes mais tarde – me afetam, mas nem tanto. Agora o Chico, ele vive cada um desses problemas. E é por isto que muita coisa eu nem deixo chegar até ele” – revelou, referindo-se, certamente, a pessoas que procuram fora dos dias destinados às consultas “)”.
Quando a fila chegou ao fim, e isto, garanto, levou tempo, tive a honra de ser convidada por Chico para sentar-me à mesa, coisa que, disseram-me depois, “ele não costuma fazer com quase ninguém”. Devo confessar que foi com o coração alvoroçado pela expectativa de gran-des acontecimentos que aceitei aquele convite. Qual não foi, porém, a minha decepção ao ver Chico desaparecer por uma portinha que se abria, na sala, para um pequeno quarto, sempre ladeado pelo impenetrável casal Weaker (digo impenetrável, porque este casal, que é quase da mesma altura, além de não falar, não move um músculo do rosto sequer, dando aos que nunca puderam partilhar da bondade que talvez se esconda em seus corações à impressão de se rum par de fiéis robôs). Dali ele sairia somente às primeiras horas da madrugada, deixan-do-me a mim e a todo aquele povo aflito e cansado entregues às perorações em torno do tre-cho do “Evangelho Segundo o Espiritismo” que falava sobre o suicido escolhido para servir de tema aquele dia.
Ah, os oradores! Como poderei eu descrevê-los? Alguns deles, embora não mostrassem grande cultura, pronunciavam, com simplicidade, palavras que – notava-se – vinham de seus corações. A maioria, porém, como que encantada com o som da própria voz (e tanto isto é verdade que um incrível casal de médicos chegou a levar um potente gravador para gravar os seus discursos, findos os quais, desligavam-no, tendo um deles até se retirado da mesa), es-tendia-se infindavelmente num palavreado oco, repleto de lugares comuns e palavras gastas num tom de voz eternamente igual. Eu dormia de babar (confesso, Chico, perdão), acordava e lá estavam eles, infatigáveis “:... por isso, precisamos antes passar pelo caminho do sofri-mento (...) Estamos aqui, num planeta escola (...) o sofrimento é o apanágio de todas as cria-turas (...) o meu mundo é colorido se eu faço deste mundo uma fotografia colorida...” – ten-do, como fundo musical, um muzak composto por melosos arranjos para composições como “Dancing in The Rain”, “Night And Day” e Moulin Rouge “, as faces impassíveis.
Não posso dizer a hora exata, mas foi certamente depois da meia-noite que Chico reapa-receu, ladeado – é claro – pelos Weaker. A este acontecimento, seguiu-se um frisson da as-sistência que, de súbito, ficou inteiramente acordada e alerta. As receitas começam a ser dis-tribuídas entre as pessoas. Enquanto isto, Chico, sempre ladeado, etc, etc, ... Senta-se à cabe-ceira da mesa, põe as mãos na cabeça e concentra-se. O silêncio na sala torna-se absoluto. Uma das mãos cobrindo os olhos fechados, ele apanha um dos muitos lápis “Presto – 1.600” colocados ao lado de sua mão e começa a psicografar uma mensagem que tem como título “Evitando o Suicídio”. A mensagem é longa e, à medida que as pontas dos lápis vão se gas-tando, o médium atira-os para o lado e imediatamente recebe um outro, bem apontado, Finda esta mensagem, chegamos enfim ao “gran finale”. Podemos, sem medo de errar, chamar as-sim o momento em que um ou no máximo dois daqueles que já passaram para o Além têm a permissão de ditar alguma mensagem para seus parentes que aqui ficaram. Como a assinatura do comunicante vem sempre em último lugar, pode-se cortar a soma das expectativas ambi-entes com uma faca, tão densa ela se torna.
Cabeças esticam-se como que procurando decifrá-la de longe. Poucos são os que, por estarem colocados em posições favoráveis (o que acontecia comigo), podem tomar conheci-mento de alguns de seus trechos antes mesmo da sua leitura em voz alta pelo médium – outra parte invariável do ritual.
“Querida mamãe, meu querido papai”
Em pensamento agradecido a Deus peço que me abençoem (...) Sinceramente não sei como sairá da minha cabeça através do lápis (...) vovó Elvira e vovó Ignez me auxiliam (...) peço que me perdoem aquela ocorrência triste no aniversário da Jamile (...) não consegui mover as mãos e até os lábios pareciam selados sem que eu conseguisse transmitir qualquer som (...) creiam, porém, que eu os tinha em meu pensamento misturando-lhes imagens e a dos meus irmãos. Foi assim: (...) não consegui ver mais nada ali naquele trecho de estrada de Altinópolis para Batatais (...) o avô Marchiori, a vovó Ignez, a vovó Elvira, todos me cer-caram de muito carinho (...) ao ver-me assim transtornada chorei muito, porque a gente nunca se prepara para um instante como aquele (...) sofri muito a princípio como podem i-maginar, mas são tantos os amigos a nos convidarem para trabalho novo que vale mais es-perar com paciência a nossa recuperação (...) tudo aconteceu como se uma tempestade se condenasse e fosse desabada sobre nós. Vovó Elvira me conforta explicando que o nosso tempo estava contado e que não nos sobrava qualquer minuto (...) comecei a preparação para serviços de socorros aos necessitados e preço o auxílio das preces habituais (...) não deixem a tristeza empoeirar nossas lembranças. A melhor homenagem que nos possam fazer é a de doar aos outros aquilo que foi de nosso uso pessoa (...) peço desculpas ao Félix e aos nossos familiares (...) papai, vovô Campos e nosso avô Marchiori têm sido os nossos melho-res amigos (...) não estamos totalmente felizes porque a separação não é sinônimo de alegria entre aqueles que se amam (...) Desculpem se escrevi tanto. Creio, porém, que falar tanto é próprio dos que sentem solidão, Não me refiro à solidão espacial mas à ausência dos pais queridos (...).
Ignez Elvira...
Ignez Elvira Campos Elias
Quando o nome da jovem falecida é pronunciado em voz alta pelo médium (que neste momento recorre ao auxilio de um microfone), emocionados “ohs! E Ahs!”, percorrem o ambiente. Chorando muito, um casal de idoso aproxima-se da cabeceira da mesa. Durante o decorrer da mensagem, o choro aumenta. Muitas pessoas estranhas solidarizam—se nas lá-grimas ao casal que, finda a leitura da mensagem (que lhe é entregue em mãos pelo próprio Chico), é profusamente cumprimentado como se sua filha acabasse de nascer de novo.
Mais tarde, recebi do casal Dalila de Campos Elias – Muzeti Elias Antônio, (um ex-deputado do PSP e do MDB que declarou ter sido, até aquele momento, um descrente) a con-firmação das muitas provas que aquela mensagem lhes trouxe.
“Nos já tínhamos vindo de São Paulo até aqui quatro vezes sem resultado algum. E a ú-nica coisa que o Chico sabia era que nós queríamos saber notícias da nossa filha e o nome dela. O resto, o nome dos parentes falecidos citados, o lugar em que se deu o acidente, a oca-sião (festa da Jamile), o nome do marido (Félix) da Sarah, a prima dela que estava no carro com ela e que também morreu, ele não sabia não. Também é verdade que eu não mexi mais no guarda-roupas da minha filha depois que ela morreu, que tudo dela está lá como ela dei-xou” – diz dona Dalila, começando a chorar de novo.
(Tudo isto é igualmente confirmado pelos números membros da família que acompanha-ram o casal até Uberaba. Muitos outros casos semelhantes a este estão descritos no livro “Luz Bendita” com o aval (fotografia, endereço, assinatura) de pessoas que receberam men-sagens de seus entes queridos através de Chico Xavier).
Findos os trabalhos daquele dia, aproximei-me de Chico cobrando-lhe a conversa pro-metida.
“Eu falo com você amanhã À noite. Mas vai ser só uma conversa. Entrevista eu não dou, porque até hoje, oitenta por cento dos jornalistas, mais atrapalharam a minha vida do que a-judaram. Há cinqüenta anos que eu dou entrevistas, se eles não acreditaram até agora...” – disse ele, antes de ser “seqüestrado” por Eurípedes e pelo casal Weaker.
De maneira que, no dia seguinte, eu precisei acompanhar a Peregrinação que ele, seu grupo e convidados, fazem todas as tardes de sábado à Vila dos Pássaros Pretos para distribu-ir pão e dinheiro para a compra de leite aos seus paupérrimos habitantes (nessa ocasião, os visitantes que tiverem trazido gêneros alimentícios, podem distribuí-los, eles mesmos, entre os pobres). Antes disso, há outra leitura do Evangelho Segundo o Espiritismo; presidida pelo médium. Esta leitura tem lugar debaixo de um frondoso abacateiro enquanto garrafas de água são colocadas pelos presentes em cima de uma mesinha para que recebam bons fluídos. Nes-te dia, Chico, que havia fugido da cidade no domingo anterior para escapar aos por certo e-xagerados cumprimentos pelo seu aniversário, ganhou atrasados “parabéns a você”, acompa-nhados de palmas, beijos, abraços e até uma seresta feita por músicos do lugar.
À noite, submeti-me a outra sessão de oratória, praticamente quase igual à primeira. Com a diferença que a fila, neste dia, passou por Chico no fim (neste dia não houve consul-tas) para que os presentes pudessem dar suas despedidas ao médium que, naquela noite, au-tografou centenas de livros e psicografou uma mensagem de um rapaz à sua mãe ali presente, assinando-a cinco vezes com a mão esquerda, visto na Terra ter sido canhoto (dado confir-mado por sua mãe). Esta, porém, não foi a primeira mensagem que Laurinho enviava à sua mãe. Dona Priscila P. S. Basile. Era a terceira. Mas, na primeira ela teve a mesma prova, conta Dona Priscila, que até escreveu um livro sobre a morte do seu filho, onde aquela men-sagem está incluída. O espírito do jovem Marco Antônio, aproveitou e pegou uma carona nesta mensagem, mandando, por intermédio de Laurinho, um recado à sua (de Marco Antô-nio) mãe, uma senhora chamada Maura, de Araguari, que até aquele momento nunca tinha visto Dona Priscila na vida.
Depois que a última pessoa da fila virou as costas e foi embora, eu, que a estas alturas já estava bem aflita e ansiosa, aproximei-me e, audaciosamente; cutuquei suas costas. “Ah, a nossa entrevista” – disse-me o médium voltando-se calmamente. E eis que, daí que há quinze minutos vejo-me em plena residência de Chico Xavier, se é que se pode chamar de residência aquela humilíssima e completamente desarrumada casa onde empoeiradas pilhas de papéis e livros acumulam-se no chão, junto às paredes e em cima de todos os móveis disponíveis, ex-ceto, a mesa onde é servido um gostoso cafezinho mineiro, acompanhado de roscas doces, aos inúmeros convidados e não convidados que, julgando-se suficientemente íntimos, espre-me-se nos duros bancos de madeira, uns muito falantes, outros extremamente, quietos e ex-pectantes, dando ao ambiente um ar que é um misto de gostoso, serão interiorano e velório.
Chico Xavier, sumiu. De lá de dentro chegam notícias de que o médium encontra-se nas mãos de uma jovem doutora em acupuntura que está preste a fazer um curso de aperfeiçoa-mento na China. Passado um bom tempo, alguém passa para alguém a informação de que Chico tinha se recolhido ao leito devido à reação que a sessão de acupuntura causara ao seu combalido organismo. A notícia tem o condão de causar uma espécie de debandada geral. Eu, de minha parte, espero.
Quando a sala já esta praticamente vazia, Chico reaparece e, dirigindo-se a mim, diz: “Bem, vamos então à nossa entrevista” – com um ar levemente galhofeiro.
122 – A Medicina e a Fé
Mal conseguindo acreditar, sento-me ao lado dele, que escolheu a cabeceira da mesa. E sentindo-me subitamente muito sem graça, lanço a minha primeira pergunta: tinha ouvido Chico aconselhar muitas das pessoas que haviam ido procurá-lo a buscar os conselhos dos médicos da Terra, sendo que o próprio Chico tratava-se com eles. Visto que Jesus sempre usou nas suas curas, apenas dois elementos, energia e fé, e visto não se ter notícia de que houvesse alguma vez ficado doente, não se constituiria essa atitude de Chico Xavier numa falta de fé para com o poder de Deus que está dentro de nós?
Com uma voz muito suave e pausada, Chico começa a me ditar, com pontos e vírgulas, uma enorme resposta que me dá a impressão de ser uma daquelas mensagens psicografadas que ele costuma receber. Ao mesmo tempo, começo a sentir o já tão famoso perfume de flo-res de que me tinha falado meu colega jornalista. Obediente como uma colegial, eu recebo o meu ditado:
“Os Espíritos acham que Medicina é uma ciência que nos foi concedida pela Providên-cia Divina para que os males orgânicos sejam aliviados ou curados. Nós sabemos que a Me-dicina está evoluindo cada vez mais para a Medicina Psicossomática compreendendo a im-portância da mente sobre a nossa vida orgânica. E os Espíritos amigos admitem que esse progresso da ciência médica neste setor caminha para uma amplitude cada vez maior. Nos casos dos problemas infecciosos, em tempo alguns poderiam dispensar os recursos da medi-cina curativa ou preservativa através da vacinação com os ensinamentos da higiene tão completos quanto seja possível em benefício da comunidade. Os Espíritos nos ensinam a va-lorizar cada vez mais a influência da oração em nossos processos de cura, mormente quan-do estejamos sob impactos emocionais muito fortes que podem determinar a eclosão de mui-ta moléstia obscura. Mas, ao mesmo tempo, os Amigos Espirituais consideram que com a permissão da Providência Divina, a ciência de cura professada pelos homens adquiriu ini-maginável adiantamento, com pesquisas de amplo sucesso que nós não podemos menospre-zar. Especialmente em cirurgia, o avanço da Medicina nos últimos anos é francamente es-pantoso. Considerando assim, os benfeitores espirituais habitualmente nos induzem à oração como recurso de melhoria de nossos potenciais orgânicos, mas observam que as necessida-des criadas por nós mesmos, de Jesus até os nossos tempos muitas vezes exigem intervenções de agentes químicos exigidos por nossos próprios desequilíbrios na restauração de nossas forças. Diante da evolução de nossos tempos, não será justo de nossa parte esquecer a influ-ência decisiva da medicina compreensiva e humanitária em nosso favor, não só porque o progresso do mundo justifica isto mas também para coibir certos abusos que em nome da oração muitas vezes são perpetrados por pessoas menos responsáveis quando se trata da saúde humana“.
“Os Espíritos Amigos sempre me dispensaram atenciosa bondade seja minorando os e-feitos de qualquer enfermidade de que eu seja portador, especialmente através do passe magnético e da água fluidificada na fase da oração. Mas, em todos os casos graves de doen-ças físicas pelos quais tenho passado, eles mesmos me ensinam a procurar o socorro e a co-operação de médicos competentes e amigos, naturalmente para que eu não me sinta uma pessoa pretensamente privilegiada pelo fato de ser médium espírita, o que considero muito natural porque esta situação me faz reconhecer que sou uma pessoa humana e frágil como tantas outras que necessitam do amparo da medicina para viver e sobreviver. Muitos espiri-tualistas, talvez pensem que já possamos de modo geral sentir a presença de Deus em nós dispensando qualquer recurso humano para a supressão de nossas enfermidades e fraque-zas. Os Espíritos Amigos, porém, nos ensinam que realmente todos temos a presença de Deis em nós, entretanto, conquanto, o próprio Jesus haja dito que o Reino de Deus está dentro de nós, sem contrariar de modo algum a afirmativa do Divino Mestre, estamos ainda na condi-ção do diamante bruto requisitando por muito tempo a passagem de nossa personalidade humana através das oficinas de burilamento que, no caso, são os sofrimentos e as vicissitu-des da nossa existência na Terra até que o esmeril da experiência nos aperfeiçoe de tal ma-neira que venhamos a refletir a presença de Deus em nós mesmos, tal qual o brilhante fina-mente aprimorado consegue refletir a luz do Sol. Nós não podemos, compreensivelmente, até agora, comparar qualquer pessoa terrestre que se disponha a colaborar nos serviços curati-vos à pessoa de Jesus Cristo, cujo poder magnético, sem dúvida, poderia atuar decisivamen-te sobre qualquer processo enfermiço, desfazendo os ingredientes ou agentes em que esses processos enfermiços se estruturavam”.
Mas, depois de todo este ditado, quando eu insistir no meu ponto de vista, ele começou outra vez, muito sério, a dizer que eu precisar ver, que as condições de vida, a alimentação das pessoas eram muito diferentes das que existiam no tempo de Jesus, que o mundo está ho-je, superpovoado... Para acabar num surpreendente e extremamente malicioso:
“... E depois, se nos pusermos aqui a desacreditar a Medicina, acabamos, eu e você, minha cara Regina, sendo presos, não é? E, como isto não é conveniente para nenhum de nós dois...”.
Tem sendo de humos, o Chico. No entanto, ao falarmos sobre a situação atual do Brasil, sabe-se lá que Espírito encostou-se a ele, que começou a dizer coisas como, por exemplo, está:
“Eu acho sim, que nós somos um país muito feliz, porque estamos rodeados de muitas fogueiras políticas, e devíamos agradecer aos homens que nos ajudam a manter esta ordem. Chamam isto de fascismo. Mas, eu nunca via nenhuma liberdade ser reprimida, a não ser no que diz respeito aos tóxicos e subversivos. Francamente, acho que só não temos a liberdade de sermos criminosos”.
Coisas de quem vive mais no Além do que na Terra.
Mas, apesar disto, apesar de todo o meu raciocínio, sinto-me cada vez mais envolvida pela atmosfera, francamente, celestial que envolve este homem, como se eu tivesse chegado assim perto de uma espécie de santo brincalhão.
Critico “pregadores” do seu Grupo de Prece pensando que iria vê-lo zangar-se, mas ele, prefere contar-me um caso, que demonstra estar Chico Xavier bem ciente de que são os “se-pulcros caiados de branco”, que se senta à sua mesa. O caso diz que, tendo Chico, uma vez sido obrigado por seu chefe a trabalhar num domingo, ficou ele revoltado com a visão de dois rapazes que passaram não só todo aquele dia, mas, também o seguinte, numa mesa de bilhar. Muito chateado, ele clamou aos céus, reclamando daquela injustiça. Logo em segui-da, a voz de Emmanuel disse ao seu ouvido: “Meu filho, Deus colocou o bilhar no mundo para que certas pessoas não se ocupassem de coisas piores”. E ri, muito divertido.
123 – Espiritismo e Sofrimento
Digo-lhe que, a meu ver, o Espiritismo glorifica, de uma maneira mórbida o sofrimento.
“Eu não! – volve ele, de pronto – eu vivo muito alegre, muito feliz, trabalho, tenho sem-pre muita gente em volta de mim. Muita, muita gente na minha vida, é disso que eu gosto.” (é preciso dizer que a esta altura, a sala, não se sabe como, ficou de novo repleta de gente).
Sim – respondo – mas o Espiritismo só fala em provação, em penas a pagar, em carma. Quando Cristo colocava as pessoas debaixo da Graça de Deus, Ele dizia: “Perdoados te são os teus pecados”.
“ Sim – diz Chico – Deus pode perdoar, mas é a nossa própria consciência que não nos perdoa. Somos nós mesmos que solicitamos as provas que iremos passar na Terra, em de-corrência dos nossos erros cometidos em uma encarnação anterior. Além do mais, eu pedi para um amigo meu que em grego, que verificasse para mim as origens da palavra perdoar em grego antigo e ele me disse que nessa língua, essa palavra, tinha o significado de “tole-rar”. Quer dizer, que Deus tolera, tolera apenas, veja bem, os nossos pecados, tem benevo-lência para com o devedor“.
124- Fim do Mundo
E por fim, uma pergunta que, se Chico Xavier não puder responder, quem é que vai con-seguir? Seguinte: O mundo vai mesmo acabar no ano 2000?
“Os amigos Espirituais que se comunicam conosco – esclarece ele – dizem que nós cor-remos o perigo de guerras difíceis. Mas devemos crer na Providência Divina. Se existe outro mundo nas galáxias, que Ela, na sua bondade, pode nos dar... (Chico, por sua vez, não tem nenhuma dúvida de que existem milhões de mundos habitáveis e habitados, alguns em outras vibrações de matéria)”.
“E também, esta data marcada pode não ser exatamente 2000, pode ser 2900” – diz, esperançoso.
125- A Nova “O Profeta” – Fim da Entrevista
Recordo-me da sua torcida para que Daniel acabasse casando com Carola no final do “Profeta” e das suas palavras – “eu prefiro a Vida” – e peço explicações a respeito.
“A vida continuar, mas devemos aproveitar aqui o máximo. O nosso corpo custou muito a nossos pais, a nossa mãe...”.
Repentinamente, abre-se um grande branco na minha cabeça. O médium também não parece grandemente desejo de declarar mais nada. Sendo assim, despedimo-nos, amavelmen-te.
Saí carregando comigo um pouco daquela maravilhosa atmosfera que cerca Chico Xavi-er. E eis que quando entro no saguão do hotel, totalmente deserto àquela hora da madrugada, sinto, perplexa, que o famoso perfume de flores que costuma cercá-lo, estava lá me esperan-do, mais forte do que nunca. E desde aí, contra todo o meu raciocínio, sempre que começo a pensar naquele homem feio, velho, doente, caipira e pobre, eu choro, de cair lágrimas, feito uma criança. Alguém pode me explicar uma coisa destas?
(P.S. – Não consegui reunir coragem para perguntar a Chico o porquê daquela peruca. Mas, mais tarde, como que respondendo ao meu pensamento um amigo meu disse-me que ele a usava para evitar apanhar friagem na cabeça, onde sofre fortes dores. Si non é vero...).
Nota do Médium
O Instituto de difusão Espírita, de Araras, Estado de São Paulo, está publicando a pre-sente entrevista, a meu pedido, cabendo-me explicar aos leitores amigos, os motivos de mi-nha solicitação, nos itens seguintes:
1-A opinião registrada pela Entrevistadora, com relação à Medicina foi realmente dita-da por Emmanuel, nosso conhecido Benfeitor Espiritual que, compreendendo o meu natural constrangimento, diante da distinta escritora e jornalista que nos visitava, me auxiliou a responder a questão com os recursos de que eu mesmo dispunha.
2-Não teria dito, de minha parte, ao nobre representante da revista “Planeta”, aquilo que a Entrevistadora consigna em suas páginas, afirmando gentilmente, que assim o fez co-mo apresentando “o resultado de uma associação de idéias”; lembro-me perfeitamente de que tomei a liberdade de esclarecer ao digno representante da mencionada Revista, quando esteve pessoalmente em nossa residência de Uberaba que muitos espíritos estão reencarna-dos na Terra, sem as tarefas do casamento na vida física, - assim qual me ocorre -, em vista de trazerem consigo a existência terrestre encargos específicos para rendimento mais amplo de trabalho. Esclareci, ainda que, em mediunidade, essa circunstância naturalmente favore-ce a pessoa mediúnica, de modo a se colocar, com mais facilidade, ao dispor das Entidades Espirituais.
3-Compreendo, sem mágoa, que a Entrevista poderia ter sido mais generosa para com os meus companheiros de trabalho que me suportam as exigências e carregam comigo as responsabilidades e serviços do Grupo Espírita da Prece,nesta Cidade, sem qualquer remu-neração e entendo que todos eles saberão desculpar as referências menos felizes de que são objetos, tanto quanto sabem relevar com espontânea bondade, os sacrifícios que a minha existência difícil lhes reclama, entretanto, permito-me fazer o presente registro para decla-rar, de público, quanto os estimo e quanto lhes sou agradecido.
Quanto a mim mesmo, reconheço que a entrevistadora me traça o perfil mediúnico ex-teriorizando o carinho e a benemerência que lhe brilham no coração, às vezes a misturar os seus nobres sentimentos com o apurado sendo de humor que lhe caracteriza a inteligência, colocada a serviço do Jornalismo e, com respeito a isso, nada tenho de que me queixar, compreendendo que as opiniões alusivas a mim próprio, sejam as dela ou de outros amigos, pertencem a eles mesmos e nunca pusemos em dúvida a nossa obrigação de respeitar os pensamentos alheios, atentos que devemos estar à verdade de que somente analisamos as pessoas e as situações com os nossos próprios recursos. Compete-me, porém, de minha par-te, reconhecer a distinção e a sinceridade da Entrevistadora que foi correta e digna obser-vadora das ocorrências espirituais em nossa modesta casa de fraternidade e oração, sem torcer a verdade dos fatos, em momento algum, o que nos leva, com esta nota, a expressar-lhe a nossa admiração e profundo reconhecimento.
Francisco Cândido Xavier
Uberaba, 15 de fevereiro de 1979.
(* - Reportagem e entrevista de Regina Penteado, redatora do jornal Folhetim de São Paulo/SP, publicação domingueira da Folha de São Paulo, divulgada na edição de 16 de abril de 1978, no. 65, sob o título: “Um Servidor do Além, ao seu dispor”).
Livro: Encontros no Tempo
Chico Xavier/Espíritos Diversos
Francisco Rebouças